sábado, dezembro 27

Palavras

Palavras. São bonitas, ténues, duras, difíceis, definíveis, ritmadas. Esboçam o mundo dando lhe voz. Combinadas formam frases que se transformam em texto. Intemporais? Marcas de tudo e de todos. Ficam registadas, cravadas e guardadas. Permanecem em nós. São o que somos. Dão corda ao pensamento e alma à imaginação. Produzem atitudes, timbres, intenções, marcas, desejos. Mas nada mais são que conjuntos de letras ordenados. Definem, classificam, inscrevem. Eu sou feita de palavras. Mas não só. Elas não me pertencem da mesma forma que me compõe. Ditas ou por dizer? São sempre palavras. Então porque as perdemos nos momentos indecifráveis? Porque elas fogem. Fogem, pois também somos parte do que não conhecemos, do que não esperamos, aquilo que as palavras não alcançam, o mesmo que o toque e o olhar conseguem dar expressão à incapacidade das palavras. As palavras fascinam-me mas por vezes surgem fugazes, vazias, exíguas. Não há palavras. Mesmo quando o leque é tão variado, tão imenso. Por vezes pronunciadas a mais, por outras são sentidas como carências. Mas fica sempre tanto por dizer, e tanto se diz. E encontro mais no silêncio do que aquilo que poderia ser entendido nas palavras. O silêncio diz tudo ao mesmo tempo e por isso pode tornar-se incompreensível. São palavras mudas que significam e vozeiam caladas. É uma dualidade incapaz de satisfazer os prazeres de todos. Traiçoeiras, mentirosas, incapazes. Sim são sempre palavras. Opções. Pensadas ou impensadas. Todavia para além delas surgem as imagens, os gestos, as poses muito mais do que as palavras podem definir. Incompletas? Prefiro acreditar que sim. As palavras não me chegam.

quarta-feira, dezembro 17

Espera (título plagiado)

"Espera"
Botão! Serás corola e esperarás ser fruto...
Serás calor,- paixão! Lume que o peito inflama!
E há tanto que espero almejado minuto
De aquecer-me ao calor desta sagrada chama!

Génio, tu foste caos, negro pithecus bruto!
Réptil, tu foste larva! Hoje és luz! E eras lama!
Esperar! Esperar! O' divino tributo
D'alma de quem tem fé! Ilusão de quem ama!


Primavera, hás de ter o tempo das vindimas:
Eu espero por ti, dia e noite, quimera!
-Eva, termo de tudo e termo destas rimas...
Jamais chegue porém, a que em meu estro impera,
E que sempre esperando, o' minha lira, exprimas
O desejo de quem esperou e inda espera!

Jorge Lima

Espera. Uma longa e interminável espera. Uma demora inconsciente e tão distante que se torna num acto utópico capaz de fazer deslizar na mente mais que um simples sentimento. Essa espera tão esperada e ao mesmo tempo nunca pensada. É como se fizesse um exame de instrospecção e compreendesse que muito para além da espera há o que não se aguarda, e possivelmente seja isso que torna esta espera tão inconstante. Não pensar nisto provoca vergonha, porque esperamos muito mais do que possamos imaginar, esperamos interminávelmente, necessitamos de demorarmo-nos. Se não esperassemos então nunca dariamos o real valor do que surge; e no entanto, pensar nisto desperta uma especie de curiosidade amedrontada. Mas o que esperamos nós? Cada espera tem um sentido, mas a demora que não se adivinha tem outro sabor. Então o que insconcientemente espero nem eu consigo ansiar, e talvez esperemos algo que acreditamos ser o certo mas nem sempre sabemos qual é realmente a nossa espectativa. Desaprendi a esperar ou talvez nunca o tenha sabido verdadeiramente. Não se trata de ânsias ou desejos, espera-se simplesmente. Mas o acto da demora é muito mais que a passagem do tempo ou uma perturbação, é a surpresa do que chega depois da espera.

(talvez houvesse muito mais a ser escrito, mas fico em espera. Dedicado a um ser que ainda espera e portanto vive)

terça-feira, dezembro 2

Existências

Era estranho. Era estranho o homem que passeava na carruagem do comboio de cores mortas. Nada evidenciava a sua idade, não fosse o seu nariz adunco a adivinhar os anos pesados dos seus olhos. Era estranho. O homem que me olhava desconfiado, do outro lado da carruagem, tinha a boca retorcida e o cabelo desalinhado. Tmbém eu o olhava. Olhava-o por fora tentando adivinha-lo por dentro. Porque me olhava assim? Ele era apenas um velho indivíduo que desconfiava por meio do olhar e sorria pelos gestos. Tinha tiques. Lia o velho jornal de maneira descontrolada, como se visse tudo e não percebesse nada. Um estado de iliteracia. Talvez eu sentisse medo, mas a curiosidade de vasculhar os seus pensamentos e receios fizeram me fixar o olhar no pobre homem. Era imoral, sim. Era imoral tentar olhar aquele homem por dentro, compreender o que ele sentia ao ler o jornal, o que pensava enquanto via as paredes a correr fora da janela do comboio. Queria conhecê-lo, saber mais acerca das suas recordações, perceber o que restou e o que se evaporou da sua memoria. Não era uma fixação, era apenas a curiosidade de conhecer o que existe. Não havia nada a mais nele que no homem ao meu lado, havia apenas ele. Tomei-o por certo, pensei determinar a sua consciência num acto presunçoso de adivinhação, mas quando o contraste do olhar e dos pensamentos se torna demasiado vago e enublado nada se compreende. Enquanto o adivinhava tentava ver-me e nada aconteceu. Não o perscrutei e não me reconheci. A existência é algo insondável, corresponde à prisão da alma pelo corpo, e do corpo pela vida. Então o significado de o olhar em mais nada resultou senão em fadiga. Pois o que ele era ali poderia não sê-lo noutro lugar, a consistência torna-se inconstante, e o que ele parecia teimar em esconder era exactamente a verdade dele mesmo. Porque somos o que não queremos, e quando o queremos ser a veracidade das nossas palavras desmorona-se diante de nós, e tudo deixa de ser o que é. Somos seres inconstantes, irreflectidos e imperfeitos. Então escolhemos pessoas e crenças, as mesmas que nos façam acreditar no que pensamos ser. Mas o que somos? E o que está acima de nós? É um pensamento inconsciente, insensível. Nada do que poderia ver naquele homem me poderia esclarecer. Somos feitos para as necessidades que criamos. Eu sei que ele existe mas não vejo o que nele não existe. É complicado, é complicado tentar ver o que não existe. Então procuro o que não sei, porque o que sei já não me basta. Então concluo ao ver os movimentos da personagem que crio em torno do estranho homem, que ele é apenas mais um entre tantos, e o único dentro da sua própria existência. E nunca chegamos a ser nada. Somos apenas matéria e isso parece justificar a nossa existência. Provavelmente ele tem uma missão, uma missão que nunca chegará a saber qual é, e no final da sua vida não saberá para o qual foi concebido. A minha piedade e compaixão com aquele homem é impura, é irracional porque sou tão incompleta quanto ele, e nada faz de mim analista do seu interior. Então fecho os olhos e olho pela janela. Eu não sou nada.

sábado, novembro 29

Vinte dias depois



20 de Novembro de 2008 (data original da produção deste texto)


Passaram-se vinte dias. Não contei as noites. Vi o sol nascer vinte vezes e, no entanto, nunca vi o céu escurecer. Não sei ao certo quanto tempo são vinte dias, não consigo fazer equivalências temporais, não consigo nem quero fazê-los corresponder às horas e minutos gastos. Apenas sei que são vinte dias porque vinte vezes abri os olhos e contemplei o amanhecer. Talvez o sol tenha aparecido umas outras tantas vezes, mas o meu limite são vinte dias. Penso no significado deste número, gosto de o pronunciar e,no entanto, não sei quanto ele contabiliza. Será muito ou pouco tempo? A mim parece-me uma eternidade. Quando nada se tem tudo se torna demasiado verossímil, se o tempo é semelhante às rugas que se formaram timidamente em redor do meu rosto, então vinte dias representam muito tempo. Talvez consiga viver mais vinte dias, uns outros tantos acrescidos a estes, mas esse período é demasiado comprido, se tal acontecesse teria de ser acrescentado ao meu rosto mais algumas rugas. Cresci e vivi neste buraco de céu azul, privado do calendário, o tal que dizem contar mais de vinte dias. Também não sei ao certo se a sequência que contabilizei está correcta. Francamente não me preocupa viver ao contrário do relógio do mundo. No meu há apenas o dia, o sol que marca os números, os mesmos que se somam até o número vinte.
Durante estes dias algumas das minhas plantas morreram, inclusive a palmeira heroína, a mesma que outrora resistiu a ventos e tempestades, e outras floresceram da terra seca, portanto de durante este bloco temporal eu pude observar a vida e o contrastante falecimento, acredito plenamente que vinte dias representam um ciclo, desses que se repetem gradualmente e aumentam a vida terrestre. Intimidamente faço cálculos, fico terrivelmente amedrontado quando penso se durarei mais uns vinte dias então escolho permanecer na ignorância do meu pensamento, é um esforço desleal, e uma luta que inúmeras vezes pensei ter perdido. Mas felizmente há sempre um dia em que o sol se mostra escondido e eu acabo por confundir os números. Ainda bem que me deixo atraiçoar por mim e que apenas conheço os números até vinte.



Diário de um Náufrago



(este texto foi escrito originalmente durante uma aula, e embora aparente não ter nexo, resultou num bom momento de descontracção)

quinta-feira, novembro 27

Estranha Imaginação

... os carros voam à velocidade das gaivotas que descansam no cais. O vento acompanha o ritmo doente dos pescadores que puxam as redes enfraquecidas pelos anos e que mais vezes emergem vazias que cheias. Há apenas uma estranha imaginação... como se tudo o que pensasse fosse retirado de um romance mais fictício do que original, talvez porque vejo no nada o tudo que não se constroí, apenas subsiste na estranha imaginação. Os factos, esses misturam-se entre um ou outro devaneio, no delírio das canções do pensamento e nos intervalos das pingas que escorrem nas janelas cansadas de olhares vazios e curiosos. Os sonhos, esses não existem, se lhes fosse cedido uma oportunidade o desejo da realização precoce daria por certo esta estranha imaginação. Isto é algo incontrolável como se a respiração ficasse presa no diafragma e não se concluísse na expiração, como se tudo se tornasse demasiado obsessivo, uma compulsão desnecessária e tão sentida como os elementos românticos que aperaltam e escondem verdades e intrigas. E num vai e vem de ilusões tudo o que parece ilusório se torna demasiado irreal, exageradamente forçado. Talvez esta estranha imaginação não passe de uma obsessão incontrolável, algo estranho e descabido que parece entrelaçar pensamentos banais e memórias emprestadas. Às vezes é tudo tão escuro, tão enublado que não se consegue percepcionar a movimentação horizontal das nuvens que também sobrevivem nesta estranha imaginação. E neste acto cognitivo quando tudo não parece ser mais que um vago desejo há sempre algo que nos desperta a atenção e nos faz ver o mundo. Porque fora das paredes que limitam o meu corpo e o meu espaço consigo antever o que não conheço, e experimento. Confio na teoria de Kant e acredito que se pode conhecer à priori. É tudo tão estranho, propicio aos sentidos que me deixo adormecer e desviar desta estranha imaginação que se agiganta e me assusta...

quinta-feira, novembro 6

A vida em contraste

Mike Wells, United Kingdom.Karamoja district, Uganda, April 1980. Starving boy and a missionary.

Se houvesse uma explicação válida então a vida não teria nenhum sentido. E se por vezes o texto diz tudo, então eu não tenho mais nada a acrescentar.

domingo, outubro 19

Esfuminho



Em sinal de dedicação e devoção da pronúncia que a própria palavra invoca.

quarta-feira, outubro 8

Esperanças velozes


A estação estava a meio gás. Poderia ao julgar-se pelo numero de transeuntes que rodopiavam sobre os bancos envelhecidos de madeira, que o relógio apontava seis horas da manhã. O nevoeiro, tanto de singelo como de tímido, florescia entre as nuvens cinzentas que se dispersavam no céu azul adivinhando tempestade. Não soube ao certo se pelo frio ou pela discreta desorientação, deixei-me cair num desses bancos, envolta nos pedaços quentes do meu casaco de algodão, e ali fiquei a apreciar quem passava e quem se esquecia de passar, quem olhava exasperado para o relógio, ou ainda outros como eu, que nem por ele davam conta.

Se havia um dado motivo para a minha presença neste lugar, esse era-me completamente desconhecido. Dei por mim a recordar a companheira da noite anterior, e sem memórias da dita cuja mas não pronunciada, perdi-me em tontos devaneios. Estava ali, mesmo que sem aparente motivo.

Ouviram-se os carris a chiar sobre a linha de ferro, e automaticamente os poucos futuros passageiros aproximavam-se da linha amarela, a mesma que os avisa e alerta do limite da espera. A carruagem 33 escancarou uma das suas portas diante de mim, e como se pudesse expressar um convite mostrou-me num espaço entreaberto um lugar cativo justo à janela. Conseguia sentir o odor quente dos corpos, podia até inalar o cheiro do chocolate quente do mais jovem casal apaixonado; e no entanto, todos aqueles elementos apelativos determinaram a minha posição estática. Permaneci em silêncio, quieta, perfeitamente desumana com se de um robô se tratasse, e vi-os. vi-os todos a colocar um pé à frente do outro, a pisarem o chão cor de prata do comboio, a recostarem-se nos bancos estufados. Nada daquilo me teria despertado qualquer tipo de interesse, não fosse um senhor de idade, meio calvo, meio careca, de óculos de lua cheia e olhos de quem olha por dentro sem reparar no que o reveste por fora, a benzer-se diante daquela porta cor de vinho.

Ouviram-se os três bips, o comboio partia e com ele levava as esperanças daqueles que nele as depositaram. Quando vi as portas que se fechavam como celas sem saídas, e percebi pelo rastro de vento que resfriou a minha cara, que o comboio já só se deixava avistar ao longe, percebi que aquele homem, sem grande contagem de novas primaveras, se preparava para mais uma batalha contra si próprio, contra a linha da sua vida que lhe preparava um novo susto. Perfeitamente igual a tantos outros, sobretudo para mim, aquele ser agarrou-se dificilmente às barras laterais da portinha cor de hortelã, e nem sei em que tempo isto aconteceu, mas foi como se aquele gesto de movimentos bruscos falasse e me dissesse que mais uma barreira tinha sido trespassada. Todas aquelas carruagens que por mim passavam e me confundiam o olhar, deixando-me cega por tanto movimento, representavam ciclos contínuas da minha vida imatura e crua. Não pelos poucos anos da minha existência, mas simplesmente pelo facto de nunca os ter entendido no seu todo. Olhei para as minhas mãos, e se pudesse, se pudesse teria tocado em todo aquele fervor, em todas as emoções expressas naqueles bocados de ferro, e teria entendido o quão o toque significa para mim. Porque me ceguei de tanta energia e ainda assim conseguia tocar nos meus olhos vidrados num vício sem fim, podia tocar a pele fria da minha cara e compreender o vento em todos os seus sentidos, e poderia tocar em todas as formas sem nome mesmo sem lhes poder avistar a cor. E quando me toquei, e num ímpeto de nova luz para os meus olhos entendi que as minhas esperanças não se deixaram fisgar pelas carruagens que corriam, aí sim compreendi que elas tinham simplesmente nascido.
Estranha passageira.

sexta-feira, setembro 5

A fórmula da solidão (excerto)

22, Agosto de 2008

Penso ter descoberto o segredo dos deuses. A fórmula secreta da eternidade e a verdade de todos nós. De todos os domínios em que investi, é talvez este o que mais receio.
A ideia da divulgação deste segredo fascina-me ao mesmo tempo que me assusta. O sangue gela-me os ossos de cada vez que penso partilhá-la com o meu querido Óscar. Por outro lado sinto que de qualquer forma, este seria o perfeito elixir para o meu marido, para a minha solitária mãe, e talvez para mim nas noites em que ele trabalha alienadamente, e me deixa a dormitar sobre os lençóis frios de cetim.
Passaram-se semanas até que conseguisse voltar a recuperar o fôlego e o ânimo para escrever. Tenho vivido uma experiência incrível em segredo, e o facto de a ter de olvidar do Óscar, provoca-me arrepios e uma atemorizante culpa. Sinto-me traída por mim, porque teimo em dissimulá-la da minha mente, e sinto que estou a trair o meu marido, por não lhe poder e conseguir confiar este mistério.
Enquanto contrabalanço os efeitos benéficos e nocivos daquela que será a maior noticia dos últimos tempos, penso que estar sujeita a interveniências exteriores. Tenho dormido pouco nos últimos tempos, e durante o ínfimo tempo em que mantenho os olhos fechados, dou por mim com a respiração ofegante. Vejo-me sozinha num espaço colossal, e transporto em mãos documentos valiosos, os quais valem fortunas desmedidas, e no entanto quando os penso entregar abate-se sobre mim uma tristeza tão profunda que os desvanece da minha posse. Isto faz-me cogitar que talvez ninguém deva saber da minha investigação, nem mesmo o meu querido Óscar. Talvez seja um sinal ou um mero receio de quem se deixou possuir pela dúvida, mas não insisto em arriscar, pois suspeito que mesmo tendo esta formula poderes absolutamente inefáveis, segundo os livros dos sábios, pode atraiçoar quem por ela cobiçar assoberbadamente.
Entre dúvidas e receios penso no Óscar. Penso na forma como esta receita divina o poderia ajudar a libertar-se de si mesmo. Por outro lado não o imagino de outra forma, aprendi a conviver com o seu isolamento, assim como ele aprendeu a coabitar com os espectros que o atormentam nos dias mais mórbidos. Talvez seja isto que nos une, a capacidade de coexistimos numa casa comum, mesmo tendo concepções de mundo diferentes, mas indubitavelmente paralelos. Amo-o porque encontrei nas suas imperfeições as minhas virtudes, e nas suas qualidades os meios defeitos. O nosso casamento trouxe-me cada vez mais certezas, e nas influências dos pensamentos inconstantes do meu marido não descobri quaisquer efeitos nocentes, não deixar de pensar por mim devido à afluência dos seus ideias, não deixei de ser eu para passar a ser um clone dele, tal como ele também não o fez. Ao invés disto, passei a ser ainda mais convicta de mim por descobrir que estive segura na escolha do homem certo, no companheiro que por não ser perfeito relembra-me que também não o sou, e isso faz-me pensar. E enquanto penso evoluo, e por isso supero os meus medos, porque sou capaz de reflectir sobre eles.
Não sei o que é isto do casamento, e francamente julgo nunca poder descobrir. Não o vejo como um desses romances de novelas mexicanas, aquelas que a minha mãe gosta de assistir para se enganar sobre o seu próprio casamento. Para lhe acrescentar adereços e apêndices que não existem.
Tenho estas certezas por acreditar que as convicções se desfazem com o tempo, e saber disto faz-me desacreditar que posso ter certezas. Presentemente tenho a firme convicção de que amanha posso não acordar com as verdades do dia anterior, e enquanto assim pensar posso dormir feliz, sem ter a segurança do que é a felicidade.

Jane Green
Escrito por Andreia Silva

quarta-feira, julho 30

pedaços do meu pequeno projecto

- Aqui somos nós e indiferença com velhice por sabermos que ela cria raiz na mente e não no corpo, para onde vais é a inconsciente pressa de a acelerar na mente e de a dissimular do rosto. Para o relógio os dias são iguais, para nós o tempo é a nossa própria substância. – Abraçaram-se demoradamente, sem tomar atenção a repetível campainha que soava indicando o embarque. Pelos ares partiu Ariel para um novo mundo, em terra firme ficou James e o segredo que mudaria o mundo actual.

- Penso que nunca vou estar completa. Não posso ambicionar ter tudo porque nem mesmo o “tudo” me pode preencher a alma. Sinto que para se subsistir é necessário almejar algo que nos próprios desconhecemos. Nunca estarei completa enquanto estiver viva. Se um dia o pensar então deixarei de viver, pois nessa data não terei nada para ambicionar e verei os dias prosseguirem repetidamente. - Suspirou baixinho e deitou a cabeça sobre a fina manta de linho. Ao seu lado James sorria pela coragem de Ariel.


Andreia Silva

domingo, julho 13

Na pele de um humano

Nada faz sentido. Nada disto faz sentido. Não pode haver sentido onde já se perdeu a esperança. Não pode haver esperança onde nunca houve sonhos. Quero fechar os olhos e ainda me ardem as lágrimas que sozinhas caem sorrateiramente. Não me importa o futuro porque odeio o presente, não me imagino a viajar nas águas torbulentas da vida, não suporto esta espera da ténue maresia, não quero nem posso imaginar nascer de novo, não desejo mudar de vida só procuro um sentido inexistente. Quero ficar sozinha sem me lembrar de que existo. Sou solitária e não me importa o que possam pensar. Quero-me a mim e só a mim, e ainda assim não me suporto. O Homem não é racional, tem a consciência ilusória de que é, mas no fundo não consegue viver com a sua razão. Procura desenfreado títulos que expressem a vida, acreditando que a vida é uma constante série de procuras. Sou irracional e só desejo aprisionar-me em mim mesma. Não quero razões quero apenas perguntas, deixei de me perguntar e agora não sei viver.
Só quero ficar comigo. Vão-se todos.

sexta-feira, julho 4

Vícios

Trabalho. Trabalho desesperada e afincadamente. Trabalho, trabalho, trabalho. Mexo os músculos e comprimo-os quando o corpo parece não resistir mais, mas continuo. Sinto-me febril mas ainda assim não paro. Não posso parar, não posso descansar os músculos, não devo. Deixem-me suar e espalhar o trabalho, deixem-me suspirar ansioso de mais movimento. Não acabo, nunca termino este trabalho, não posso, não devo. Choro porque sinto a necessidade indispensável de continuar a trabalhar. Deixem-me entregue Às minhas mãos, quero ficar apenas com os meus dedos inquietos e os meus braços enérgicos. Sinto-me fruto do trabalho, e o trabalho é também um fruto de mim mesmo, sou eu. Não posso parar, não devo. Grito quando a cabeça lateja devagar e me obriga a fechar os olhos, estremeço quando as forças se esvaem sem consentimento, canto para tentar entreter os músculos doridos, não posso parar, não devo. Ao meu lado permanece a fiel garrafa inquieta e disposta a colaborar no meu trabalho, ela funciona como o óleo que limpa as minhas engrenagens e lhes dá força. As luzes baixas deste lugar sagrado e impenetrável por movimentos exteriores, continuam infinitamente acesas e ansiosas por mais energia, também elas se aliaram ao meu elixir, não posso parar não devo. Sou também parte destas sombras, sou também disforme porque quando trabalho não reconheço nada a não ser as minhas mãos: enrugadas, feridas e ansiosas pelo tacto insaciável. Não aprendi a ser outro porque nasci a trabalhar, e talvez por isso nunca soube cuidar de ti, porque nunca aprendi a cuidar de mim. Não importa em que trabalho, a certeza de que mexo o corpo basta-me. Lembro-me de ti mas retomo o trabalho, a tua ausência criou-me vícios incuráveis, não posso parar, não devo. Não quero pensar que um dia exististe em mim, não posso, não devo. Sou sensível aos vícios e não quero fazer de ti algo vicioso. Deixa-me vai-te embora de mim, odeio vícios e quero trabalhar. Não penso porque felizmente as minhas mãos reagem aos meus estímulos. Não quero lembrar-te. Desaparece de mim.
Mesmo incoerente não quero ter vícios, deixa-me trabalhar, o trabalho não é um vício é a minha filosofia.

domingo, junho 29

Ousadia sem presunção


"Um livro moral ou imoral é coisa que não existe. Os livros são bem escritos, ou mal escritos. E é tudo."


"Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, contando que não a admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada.

Toda a arte é completamente inútil."


Oscar Wilde in O Retrato de Dorian Gray

domingo, junho 22

Deixem-me! Por favor, deixem-me! Quero ficar só! Não quero que nenhuma das vossas vozes me perturbe o olhar! Larguem-me, aqui sozinho. A vossa "presença arrumada" entre livros e teses importuna-me! Quero ficar só. Quero somente ficar com as plantas que brotam todas as Primaveras e que morrem continuamente no Inverno. Quero desesperadamente ficar a admirá-las, e por favor vão-se embora! Estou cansado de tantos "mas", estou cansado das vossas teorias inoportunas e incessantemente terminadas em "mente" ou "íssimo"! Saiam! Agora! A vossa presença intimida o crescimento da natureza. Vocês de gravata e terno alinhado, impede o florescer das minhas colheitas. Vão! Quero ler Caeiro à sombra da minha Oliveira, essa árvore sagrada dos deuses. DESAPAREÇAM!
Vi na Natureza o que o carácter natural de cada um não me mostrou,

Vi ali, plantado dentro da terra húmida, o elixir que me alimenta.

Sim, ali sobre as árvores a sabedoria veste-se de verde,

Não sofre, carregada de respeitosos livros. Não, ela não conhece Homero,

Nem Camões, nem sequer Caeiro. É somente ela, sozinha e divina.

Portanto, não lhe acrescentem vistosas palavras com terno vestido,

Pois para pronunciar "Vida" é somente necessário ter-se nascido.

Andreia Silva, sem palavras complicadas

sábado, junho 21

Separações (fragmentos)

"Parto sem palavras, porque os meus olhos não a conseguem encarar de frente. Parto por saber que se a voltasse a encarar, provavelmente deitar-me-ia consigo durante noites infinitas e perderia a juventude como as frutas do nosso quintal. Parto por saber que anseia pela minha felicidade mesmo que isso afecte a sua."


in "Saída sem porta", Andreia Silva
Irrita-me. Irrita-me pensar que te amo. Sufoca-me. Sufoca-me a ideia de estarmos separados. Odeio-me. Odeio-me por te amar mas sobretudo por te deixar sair da minha vida sem sequer te cobrar. Enerva-me. Enerva-me essa tua forma simples como te resignaste, enerva-me pensar em ti mas perco-me a tentar imaginar-te. Impressiono-me. Impressiono-me com o teu jeito de desistir. Enlouquece-me. Enlouquece-me ver a tua sombra a dormir ao meu lado. Deixa-me. Deixa-me, não quero pensar nos caminhos antagónicos que seguimos. Não quero, nem posso. Vai por favor. Prefiro perder-te de vez a lembrar-me que desejo percorrer um caminho paralelo ao teu.
Andreia Silva

sábado, junho 7

Vivemos num Mundo ao contrário? Ou do lado avesso do mundo?

São 6h da manhã. O sol já nasceu sem que fosse preciso despertá-lo. Aqui por detrás de um mundo que não avistamos o dia parece nem dormir. A rotina barulhenta das armas que disparam incessantes não nos descansa, não nos deixa fechar os olhos sem que tenhamos o receio de não os voltar a abrir. O rebanho já está preparado, embora não haja preparação. Eu sei que também as minhas ovelhas sentem a inquietação de quem não sabe o dia de amanhã. Noto-lhes a força como agora comem a erva, e o rebanho mantém-se cada vez mais próximo. Sim, também eles têm a premonição de que a qualquer instante uma arma nos extermine o sopro da vida.

Acordo mesmo que na noite anterior agora já dissipada pelo sol os meus olhos não tenham fechado. Ficaram vigilantes e atentos aos meus quatro filhos, ao meu lado aparentemente descansados, mas também eles, também eles por mais que lhes doa o sentimento de que a infância lhes foge por entre os dedos, sabem que a qualquer momento a minha cama poderá deixar e estar anexada à deles. Ser mãe foi como ter uma esperança de que as nossas gerações seriam salvas por estes guerrilheiros que sem armas calariam o país, estas crianças que se tornariam opositores a este regime sem estrutura disparatadamente abusivo e instaurassem as leis que deixassem o sol dormir mais um pouco.

Os homens chegaram. Levaram dois dos meus filhos. Deixaram as meninas com a ameaça certa de que ao meu terraço voltariam para as levar. Arrancaram-me a roupa. Penetraram-me sem dó, fui espancada por que gritava com lágrimas e porque me enojava com aquelas barbas que roçavam contra o meu peito. Pensava no meu marido, também ele se sentia obrigado a entrar nesta luta contra a vida e agora morto abandonou-nos nesta terra maldita. As minhas filhas viam a minha desgraça nas mãos de outros estranhos que violentamente me rasgavam os panos velhos envoltos no meu corpo. Choravam e gritavam uivos de dor, não as olhava directamente por vergonha, e ver aqueles animais chicoteá-las feria-me o coração e dilatava-me o ódio. Eles foram embora, foram-se e então olhei-as directamente. As minhas filhas, a razão pela qual eu aguentei tudo isto. Mas não aguento mais, não aguento vê-las abandonar a vida. Não suporto a ideia de que por dentro elas já estão mortas. Não sorriem. Talvez porque a fome não lhes deu consistência às bochechas. Desnutridas bebem das poças na ruas e eu, eu imito-as como cadelas sem dono nem água. A seca arrasou a nossa produção. Cultivamos milho mas agora a terra secou, também ela já se cansou de nos dar a esperança inexistente no futuro. Acabou. Vivemos na Republica democrática do Congo, aqui onde a nossa voz é abafada pelas granadas que explodem ao longe mas que soam tão perto dos nossos ouvidos que acabamos por ficar surdos. E pensar o palavreado democrático é traduzido pelo ruído ensurdecedor das vozes aclamadas destes homens impiedosos mas profundamente miseráveis. Gritam, batem, lutam mas na realidade só desejam a paz, só precisam de sentir que não há nada para lutar, não há rivalidades intransponíveis, não há bens que valham as mortes e as atrocidades que mancham esta espécie: o Homem. Pensam desesperados que mais um dia passou e pelo destino ou algo mais sobreviveram. Voltam para as suas casas receosos da paisagem que possam encontrar: as mulheres estendidas e perfeitamente receptivas ao último suspiro, os seus filhos ensanguentados e emagrecidos pelo excesso de miséria.

Anoiteceu. A lua cobre-nos a cabeça na incerteza de voltar a sorrir-nos amanhã. Elas adormeceram. A cidade permanece agora silenciosa, um silêncio medonho que assusta e que a qualquer momento pode ser irrompido por uma explosão. A neblina espalha-se deixando um rastro de sangue entranhado na calçada, sangue que não desaparece com a chuva que cai esporadicamente. Olho para os seus rostos, uma última vez, um pouco mais. Choro. Choro como uma criança que acorda de um pesadelo, choro veementemente por viver num dilema em que não vejo nenhuma saída. Ouço pela última vez a sua respiração. Não gritaram. Vendei-lhes os olhos para não verem o rosto que lhes tirou a vida. Vendei-me a mim própria para não ver o assassino que lhes tirou a vida. Lavei-as com a água que durante o dia procurei. Benzi-as e vestia-as com os últimos fatos comprados pelo meu marido. Abri uma vala e cobri-as com a terra onde nasci, cresci e irei morrer. Amanhã os homens voltarão mas não encontrarão os corpos. Amanhã não realizarão mais um negócio pagando-me uma moeda e levando-as à força para o destino da prostituição. Não, amanhã as minhas filhas já poderão descansar em paz, porque não poderão recordar o rosto ensanguentado da mãe que lhes tirou a vida. Agora vou vestir-me e lavar-me com a pouca água que sobrou, não para morrer com dignidade mas apenas porque no paraíso não quero envergonhar as minhas filhas.

Em Dezembro, a MSF tratou cinco mulheres e uma adolescente de 14 anos perto de Pweto que disseram ter sido estupradas por soldados do exército congolês. O problema pode estar subestimado devido ao medo e ao estigma (...)Um relatório publicado pela entidade em novembro do ano passado revelou que os índices de mortalidade em Kilwa são de 4.4 mortes para cada 10 mil pessoas entre crianças com menos de cinco anos de idade.


2 milhões de pessoas são traficadas todos os anos, a maioria são mulheres e raparigas;
Dezenas de Milhares de mulheres e crianças foram sujeitas a violações e violência sexual desde a crise no Darfur em 2003; Relatório Anual 2007 Amnistia Internacional

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São 8h da manhã. O despertador incomoda-me o ouvido e alerta-me para mais um dia. A terra das oportunidades, pensei eu enquanto tomava duche e massajava as costas. Hoje tenho 5 reuniões e um negócio que poderá render milhões... Visto-me apressado porque aqui tudo corre, ouço o barulho ensurdecedor dos carros que desvairados atravessam as ruas com a intenção de recuperarem os 5minutos que perderam no café.

Chego ao escritório e enfrento as reuniões com estofo. Sorrio de forma escancarada e suspiro em segredo. Finalizo negócios e o tempo acompanha-me. Almoço a dois quarteirões do escritório. Peço Hamburguer c/ batata frita na pressa de regressar novamente ao emprego, sorrio porque sei que os minutos a menos no almoço são seguidos da sobremesa milionária. Vejo os zeros à direita e sem pensar muito rebusco uma assinatura. O expediente acaba e atiro-me às ruas de New York: compras, convido uma amiga para jantar e terminamos num bar divertidos.

Aqui o tempo ultrapassa-nos mas rende-nos a comodidade. Não vemos crescer as rugas mas apreciamos o esforço académico reflectido numa conta bancária recheada. Tenho os minutos cronometrados com o ginásio, a ida ao supermercado, o novo filme que estreou no cinema e os jantares entre amigos. Aqui onde tudo acontece à velocidade da luz tento manter-me a par do que acontece para lá dos limites americanos. Sento-me na minha poltrona e vejo o noticiário: crimes, bolsa, finanças. A emissão interrompe para anunciar crimes internacionais; mães que matam os filhos em terras africanas e suicidam-se de seguida. Estará o mundo louco? Decido ligar à minha mãe e concordamos em passar o Natal juntos. Não entendo como uma progenitora pode matar os seus rebentos? Uma mãe nasce, cresce e morre por eles, mas nunca os mata.

O sol regressa e consigo traz a luz da manhã. Acordo. Leio o jornal. Tomo o café a correr e corro para o escritório. Aumento a minha conta e anoto as despesas. Compro um perfume e dou-o à minha secretária. Ela é uma mulher incrível. Permaneço na indecisão de a convidar para jantar, mas reparo-lhe no decote e disparo a pergunta. Saímos e amamo-nos. Ela deseja-me e eu respondo-lhe com beijos e carícias. Adormecemos a contemplar a lua. Não sei se ela é a mulher da minha vida, mas agora quero assegurar a minha estabilidade financeira. Quero ter filhos e dar-lhes uma vida segura e cómoda. Regresso aos lençóis macios da minha cama amanhã o dia será igual, talvez até a convide novamente para sair...

Segundo o relatório da ONU, 80% da renda mundial está nas mãos de 1 bilião de pessoas que vivem nos países desenvolvidos e apenas 20% destinados a 5 biliões de pessoas nos países em desenvolvimento.

Nos Estados Unidos, os números indicam que as famílias desperdiçam cerca de meio quilo de comida por dia, o que equivalem média a 40% dos alimentos.Na Grã-Bretanha, o desperdício é estimado entre 30% e 40%.“Comida é água.

Escrevo-vos agora na 1º pessoa sem truques de personagens, aqui estou apenas eu, autora deste blog e afecta aos vossos comentários. Escrevi este post porque como em todos os outros procurei reconhecer-me numa dimensão que não a minha. Pensar que a realidade em que vivemos vai para além da vida banal que levamos doí. Doí terrivelmente, uma dor incessante que se desmancha em lágrimas perdidas e incapacitadas. Não por caridade, não por solidariedade mas conscializar-me que estas histórias existem muito para lá da ficção desta janela provoca-me sofrimento. Um sofrimento dorido e profundamente egoísta, porque eu continuo aqui. Permaneço sentada na minha cadeira e apenas escrevo, escrevo mesmo sem saber que não ajudo nem nada faço para contribuir contra um mundo que não dominamos. Irrita-me ver esta realidade marginalizada e completamente indiferente aos olhos da Terra, assisto pela TV porque tenho medo de me atirar a dimensões estranhas, macabras e aterrorizadoras. Irrita-me a minha forma de agir como se nada fosse. Choro por vergonha destas pessoas. Vivemos num Mundo ao contrário? Ou do lado avesso do mundo? Não sei. Eu vivo do lado do mundo que sorri satiricamente, ri-se de nós, pobres tolos que inválidos continuamos agarrados a uma comodidade que não conseguimos largar porque o próprio mundo nos habituou assim. Não sobreviveria num país como o Congo, não pela fome, não pela violência, mas pela miséria de espírito, pelos gritos mudos que não poderiam soar por se sentirem reprimidos ao gatilho mais próximo. Sim eu sei, eu sei que todos somos vitimas desta comodidade que nos engana e fecha os olhos e os ouvidos a estes gritos. Por isso escrevo, e muito mais escreveria se me pedissem, escrevo porque me envergonho de continuar na minha cadeira, mas enquanto puder e sentir que sou mais uma escreverei, escreverei até cansar os dedos.

quarta-feira, junho 4

Amor


- Amo-te. - Disse olhando-o directamente nos olhos, como sempre fazia.

- Como assim amas-me? - Respondeu tresloucado com tal declaração.

- Assim, amo-te. - Encolhi os ombros e voltei a fixar o horizonte. Costumávamos sentarmos-nos no muro a contemplar o horizonte. Ali soberano e longiquo, tentávamos adivinhar o que se escondia por detrás das nuvens disformes. Conversávamos com o silêncio e acabávamos exaustos de tanto falar por sorrisos e suspiros.

A tarde estava quente, e ao fundo de um tapete de azul infinito escondia-se um mundo que já antes de ser catalogado nos pertencia, antes de haverem países, cidades, monumentos e maravilhas, o universo fora nos oferecido. Paris, Espanha, Índia... o mundo passava em película morosa e repetitiva sem nunca cansar os espectadores, e nós maravilhados por saber que antes do nascimento das cidades imperiais e dos monumentos majestosos, já o universo se tinha encarregue de nos incorporar num só crepúsculo. Sentiamo-nos unidos por uma força inexplicável e superior ao compromisso de sangue. Talvez fosse o destino, talvez, talvez, talvez... Não importavam os "mas" eu descobri que o amava e a felicidade desta relação transbordava em sorrisos pateticamente genuínos.


- Olha o que queres dizer com "amo-te"? - Perguntou-me, interrompendo o meu pensamento.

- Sei lá, amo-te e isso chega-me. - Estava impaciente com tanto interrogatório.

- Mas não entendo...

- O que é que não entendes? Eu é que não entendo essa tua obsessão numa confidencia vazia de outras interpretações que não seja o amor.

- Não entendo... Nós somos amigos...e... sempre fomos como irmãos. Lembras-te? Estamos unidos por uma força... inquebrável.

- Sim. Por isso mesmo amo-te. Amo-te. Amo-te. Isto chega-me e a ti, não?- Retorqui isenta de meias medidas e formas de dizer uma única só verdade. Ficou pensativo, mas não foi capaz de me encarar.

- Desculpa. - Disse envergonhado. Finalmente percebeu. Soluçava baixinho mas sorria tal como eu. Agora sim nada nos podia separar. O mundo presenciava e abençoava esta revelação. O horizonte escancarava as portas já abertas por nós, mesmo antes de estarmos juntos. Sim, amávamos-nos. Um amor sem limites tal como o amor deve ser. Um amor puro e infinito, era assim... Não o conseguia descrever... apenas podia afirmar com a certeza inabalável de que nunca nos iríamos separar. Sim. O nosso amor era uma chama que ardia sem se ver, a chama que clamava mais alto quando estávamos em apuros, a chama que borbulhava quando estávamos juntos. Uma chama inocente sem segundas intenções, sem indecisões, sem medos, sem birrinhas. Era tão simples. Conheciamos-nos desde crianças e desde o primeiro momento tornámos-nos amigos.

"- Posso brincar contigo?"

Ainda me lembro da tarde fantástica que tivemos na praia após a tua coragem. A pergunta que deu inicio a um ciclo que concerteza se renovará com as nossas gerações. Era patético tentarmos ler a forma de classificar o amor, o amor não é isto nem aquilo, é um todo. É o que eu quiser ou o que tu quiseres desde que seja puro. Não há amizade, nem amor fraterno, nem amor de homem e mulher que tanto os poetas descrevem. Há amor. Há amor simples e desprovido de rótulos. Somos amigos e para sempre seremos. Digo-o com a veemência de quem sabe o futuro. Não estou a ser sonhadora e muito menos estou presa a uma ilusão prematura. É sempre amor, em qualquer circunstância, é amor independentemente por quem é sentido. Pode haver paixão, desejo, companheirismo, protecção mas é sempre, sempre amor. E descobrir a fórmula pura e sem aditivos do amor fez nascer em mim a verdade da impossível solidão. Nunca estarei sozinha enquanto no mundo houver amor, e enquanto em mim estiveres tu, meu querido amigo. Amo-te.

segunda-feira, maio 19

Apresentações sem inscrições

Olá. Chamo-me Juan Feácio, sou pintor como opção e por vontade própria. Descobri-me na ponta de um pincel e na distinção da tonalidade das cores. Auto-retratei-me e reconheci o meu rosto. Pinto por prazer e não por motivos ideológicos, retrato a sociedade porque me incluo nela e não porque que me sinto excluído como figura ilustre e integrada num patamar superior. Pinto não pelo receio do que é efémero mas para viver o presente. Tenho fobia a códigos e portanto a minha obra é limpa e clara e não tentem os supostos analistas julgá-la como um recalcamento intrínseco na forma como disponho as pessoas na tela: são apenas pessoas, não precisam de assinalar algo que é fantasiado, são o espelho do que vejo e sinto e não a legenda de pressupostos sociais; pintar um camponês ou um burguês é apenas motivação interior, e portanto não procurem rotular o camponês sacrificado e o burguês tirano. Não há necessidade de entrelaçarem na espontaneidade do que faço um significado; sejamos realistas afinal a pintura é um estado puro e tão profano como qualquer outra arte, então deixem de lhe acrescentar os "mas", deixem-se apenas fundir com a tela, eu pinto porque quero e não porque carrego o peso da posterioridade. Obrigado. ________________________________________________________________

António Ulisses é o meu nome, e muitos mais acrescentaria para me apresentar enquanto escritor. Escrevo desde que me conheço e conheço-me desde que escrevo. Já escrevia antes de iniciar a minha escolarização e hei-de escrever depois da minha decadência. Editei contos, romances, aventuras... e mais hei-de escrever enquanto a minha caneta não secar e a minha cabeça não me atraiçoar. Já ganhei um Nobel mas ainda não escrevi o livro da minha vida, portanto não me venham dizer o que é de boa qualidade. Quarenta anos depois, a máquina de escrever continua a olhar-me de soslaio, parece desconfiada e no entanto tornámos-nos amigos desde o primeiro momento. Perguntam-me se sou casado, e seguro que a minha menina está sobre a mesinha de madeira da varanda. Olham com desdém e riem-se contraídos de uma falsa piada. Saberão o que é o humor? Talvez leiam com seriedade as críticas literárias ao meu trabalho e aí sim pequem por patetice. A piada está ali: escancarada nas colunas de crítica despojadas ao canto do jornal. É hilariante que estes supostos conhecedores da literatura descubram nos meus livros algo que nem sequer eu plantei... fantasmas e mais fantasmas. Mas porque é que tudo tem de ter um porquê? Deixem-se conduzir, a escrita é de tal forma sedutora que não precisa de pretextos para florir, deixem-se de porquês sem fundamento. Leiam, leiam, leiam até conseguirem perceber, e não se distraiam com que finge perceber e vive na dúvida do que diz. Obrigado
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"Fui bailar e o meu batel...", assim me começo por apresentar, começo pelo início e portanto pela minha essência: a música. Tornei-me cantora na banheira e ainda hoje pratico no chuveiro portanto não em dêem um palco, felizmente eu tenho voz, aproximem-se se me querem ouvir e partilhem comigo esta linguagem. Partilhem esta forma sonora de comunicação, sintam a simplicidade das notas, sintam-nas apenas. Não precisam de conhecer a letra, não são as palavras que contam mas a forma como as dizemos, não as digam, cantem-nas. Não atribuam à minha música géneros e estilos, não atribuam razões e entoações, não porque me incomoda ou me aflige mas porque elas não nasceram de mim, mas de quem as tenta aprisionar num enredo falseado. Continuo a dormitar com as musicas que componho e deixo-me acordar com elas completas, nasceram de um sonho porque e própria as entendo assim. Sou eu, és tu e o outro, somos todos ali escancarados no refrão. Não é ninguém, não há motivos, não há pretextos ali, por favor deixem-se de fantasias apaixonadas sobre antecedentes trágicos e desgostos de amor... estou aqui, aproximem-se, sim aproximem-se mais, somos todos fruto da poesia das pautas dos maestros. Sim esta sou eu: a música, a minha e a nossa música.

sábado, maio 17

Nova casa

O meu primeiro aniversário na minha casa nova. Pensei eu isento de sanidade e com um saco entrelaçado nos dedos. Quando era mais novo ficava tão nervoso com a chegada do meu aniversário que na véspera não dormia, e ainda hoje com 67 anos isto acontece. Parece mentira que um velho, aparentemente sem sonhos e com a vida por um fio, permaneça uma noite a olhar para as estrelas na ansia de poder dizer que esteve entre os vivos mais um ano. Mas eu não tenho sonhos aparentes, eu sonho e idealizo, eu ainda acredito que a vida me reserva algo especial, mesmo que os meus filhos me chamem de tolo e descartável.
Esta casa não tem aquecimento... mas rapidamente habituar-me-ia ao chão frio, em troca adormeceria com as luzes da cidade a embalarem-me o sono e a preencherem-me o olhar. Por vezes permanecia horas intermináveis a contemplar aqueles livrinhos dos turistas com as zonas mais belas da cidade, e é ridicularmente estúpido que lá não coloquem a fotografia dos pirilampos que reflectem no rio, é absurdo que não consigam ver a beleza imensa da luzinhas que abrilhantam as águas doces do rio. Realmente a electricidade era uma coisa fantástica. O Thomas Edison devia ter ficado apaixonado pela sua invenção. Eu fiquei. Felizmente que não tenho tomadas nem interruptores na minha casa nova, assim as luzes permanecem acesas ao longo da noite.

Lembrava-me incessantemente da minha mãe porque não queria recordar que sou pai, lembrava-me dos seus cabelos porque o rosto já se apresentava disfocado, e esquecia-me dos meus filhos porque não conseguia apagar os seus rostos da minha memória. Não tinha revolta, nem dor, no fundo eu fingia que os compreendia para não os ter que desprezar. E mesmo com a desilusão contida nos olhos, as portas da minha casa estavam abertas. Mas eu sabia que eles nunca viriam, e por isso mesmo nunca as fechava. Provavelmente nem recoradar-se-iam do dia de hoje, o dia do meu aniversário. Ofereci-me a mim mesmo uma nova cama, não muito quente mas resistente ao meu corpo, e a D.Rosa, uma vizinha deu- me os lençois. A minha primeira vizinha e de certo uma amiga. Jantámos juntos, uma refeição leve, a idade não perdoa e a minha dispensa ainda está em défice mas assim que puder já lhe prometi um desses jantares que ninguém sabe o que é, apenas lhe dão um nome. Ela mostrou-se ofendida, é uma mulher talhada na terra, gosta do que é bom e do que enche a barriga, portanto concordámos que seria um cozido à portuguesa, um prato da nossa terra, com o sabor tradicional e com cheiro de enfartar.

Uma personagem contraditória a D.Rosa; disse-me que mudara de casa há muitos anos e que já se habitou a viver sem móveis, enpertigava-se para se mostrar uma adepta ferranha do comunismo, injuriava o capitalismo porque sabia que não fazia parte dele, mas no fim das suas exclamações exaltadas, acalmava-se e adormecia com a sua menina na mão, como lhe chamava. Entregara-se ao vinho porque a cerveja era cara e fazia barriga, mas quando podia não se negava a uma branquinha. Fiquei sentado a olhar de sombreira para ela: invejava-lhe a energia, mas compadecia-me com a tristeza desenhada na suas rugas, uma boa senhora a D.Rosa.

Olhei de novo o rio, e já tomado pela inércia, estendi-me sobre a minha nova cama. Pensei incomodado nos meus filhos, provavelmente estariam a divertir-se numa festa da empresa onde constatemente subiam de posto à custa da bajulação do chefe, um acto asqueroso que me empurrou para fora dos limites das suas vidas. Ser o vice-presidente ou outro cargo com acentuação própria não pedia um pai aleijado e pobre, pressupunha apenas um bom fato com a ganância na lapela... Agora também já nada tinha importância. Deitei-me ao lado da D.Rosa que coitada se esqueceu-se de fechar a sua menina de cor avinhada. Ficámos os dois sujeitos à hipotermia mas ricos de luz, com a corrente eléctrica sobre as nossas cabeças que não nos deixava temer o escuro. Fechei os olhos e pensei na minha nova casa: sem móveis e apenas com uma cama de papelão mas agora com uns lençois de jornal, a minha única prenda de anos com direito a uma amiga que tinha a certeza que seria para toda a vida. Era bom morar na minha nova casa, pensei eu isento de sanidade.

sábado, maio 10

Desafio aceite

Em resposta ao desafio da Marisa, aqui apresento seis coisas sem importância pessoal:



1. A procura insitente pelas formas naturais e autênticas das coisas, essencialmente artísticas. Não precisamos de rotular as coisas mas sim senti-las,um quadro não precisa de ter um código escondido ou uma pretensãp adormecida, vale pelo que é mesmo que não tenha um antecedente.

2. Pensar que as coisas minuciosas da vida não têm importância, a felicidade resulta da resoluçao dos nossos pequenos desejos e medos e não na descoberta das crises existenciais que assombram o mundo.

3. Definir regras pessoais: criar restrições a novas situações resulta em desvios, daí que as regras não façam sentido, embora todos tenhamos príncipios.

4. Tentar integrar-me num grupo pelos gostos deles e não pelos meus. Odeio modas e sou adepta da autenticidade por mais absurda que pareça.


5. Esquecer-me que a sociedade impõe representações, e portanto mesmo a criativiadade está limitada, portanto não me prendo a cacular o tempo para as coisas pois na maioria das vezes as contas falham.

6. Não entender as coisas como algo sem importância, um dia tudo faz sentido noutro já não. O importante é sermos fieis a nós próprios. Provavelmente daqui a uns anos vai ser muito importante para mim ser organizada, mas por enquanto vivo numa confusão espacial aprisionada no meu quarto.

Assim termino esta selecção e proponho aos seguintes que façam o mesmo:

Caderno
O meu sotão de ideias
Corpo e Grafite

sábado, maio 3

Fruto de Ti


Se te pudesse dizer as noites que sozinha preencho
Certamente não me voltarias a deixar sozinha
Certamente não ficarias incomodada pelo meu olhar
E sem qualquer desculpa ou pretexto
Deitar-te-ias a meu lado e ver-me-ias chorar.

Se te pudesse contar a forma como hoje te vejo
Certamente ficarias confusa e indecisa
Com as descrições de certo tolas que guardo de ti
Mas descansa porque o tempo é inimigo
E mesmo a teu lado as nossas conversas ficticias permanecem em mim.

Se te pudesse dizer que fazes me falta porque vives comigo
Se te pudesse contar as noites em que fiquei à espera da tua sombra
sobre mim deitada e inocentemente desprotegida
Tenho a certeza que virias anónima e devagarinho
Adormecer-me e comtemplar o fruto da tua vida.

terça-feira, abril 22

Lembretes sem tarefas



Hoje até a internet parece mais natural.

Dia da Terra.

É triste que mesmo no dia as pessoas não se consciencializem das necessidades da Terra. Sou contra os dias para isto e para aquilo, aliás para mim não passam de pretextos para tornar as coisas mais insignificantes. As datas históricas são importantes mas isto não é História é Humanidade. A terra é hoje, é amanhã e todos os dias. Não preciso que me lembrem porque felizmente convivo com a visão das folhas secas e progressivamente com o nascimento de mais oxigénio.

sexta-feira, abril 18

Retrato

Ainda te olho. Ainda te olho com a mesma tristeza nos olhos e o sorriso terno de quem nunca te esqueceu. Ainda tenho o teu retrato sobre a minha mesinha, e cada vez mais o admiro e sinto tristeza. Sinto uma tristeza profunda que soa a saudade e cheira a vida. Talvez não saiba perceber o odor da vida, mas se a vitalidade se resume num misto de aromas indecifráveis ao olfacto, então a vida mora em ti, ali pousada sobre a mesinha.

Ver-te num formato pequeno e protegido por uma superfície acrílica é uma afronta. É uma afronta para ti e para a tua grandeza, é uma afronta para mim que não me canso de te imaginar, o que já em si se torna outra afronta pois os limites da minha imaginação não alcançam o teu tamanho. Mas faço questão de te poder ver, mesmo que o teu retrato ainda a preto e branco camufle intencionalmente as tuas cores. Quem chega não consegue imaginar o teu perfume, os teus contornos, a tua capacidade de receber e hospedar, tal como me hospedaste quando nos encontrámos pela 1ºvez, tal como me recebeste de braços abertos sem impores condições a uma vida que se iniciava e que para meu desgosto, e ainda inconformismo terminou. Não sei se um dia te poderei voltar a ver, mas continuarei a olhar-te de frente, continuarei sentado no meu cadeirão tentando perceber porque o fizeram, porque me afastaram de ti que sempre te amei incondicionalmente, e ainda hoje amo.

Aqui sentado tento descrever-te em poemas tolos e dispersos, mas não sei se por coincidência ou ironia a caneta vai perdendo cor, e as palavras ainda não preencheram o bloco, e em cada uma das minhas rugas tu estás presente... As lembranças infinitas rodopiam e dançam no meu cérebro, fico estonteado de recordar os anos, que para mim parecem ter sido poucos, em que me acolhias, cada noite de uma derrota, cada tarde pintada com uma vitória, cada luta e cada batalha que tão veementemente defendi. Talvez um dia, quando as minhas rugas pararem de se atropelar em redor dos meus olhos e as minhas pernas permitirem que te visite, eu prometo que mesmo depois da expulsão de terceiros eu voltarei a ti. Mesmo depois das injustiças da guerra eu voltarei para cumprir o meu último desejo: ver-te a cores e deixar-me inundar com a visão infinita de ti, minha querida Terra Natal.

Porque todas as histórias têm um motivo e um pouco do meu mundo, esta significa algumas das sombras que preenchem os relatos diários de pessoas que deixaram o lugar que as viu nascer, por motivos que aqui parecem irrelevantes. E porque acredito que o amor vai muito além de corpos aqui posto sem compaixão vidas que se perderam geograficamente mas que ainda hoje permanecem vivas. Dedico-o a todos os que ainda se perdem com retratos e deixam que a semente continue plantada, ainda em vias de ser colhida.

sábado, abril 12

Razões

Esta fotografia é originária do blog da minha querida amiga e camarada da blogosfera Tani dona e autora do Caderno, a quem eu peço desculpa por colocar a seu trabalho aqui, mas penso que por mais que procurasse nunca encontarria uma fotografia que expressasse tão bem isto.

Foi tão bom reencontrar-vos... Não sei porque ficamos afastados por tempo indeterminado mas se isto for razão suficiente para fazer com que perceba realmente o sentido daquilo a que os filósofos chamaram "amizade" então eu não preciso de razões.


Aos meus amigos, sem razão nenhuma em especial

apenas porque gosto de vocÊs e isso é a melhor das razoes.




domingo, abril 6

Muda


Tenho medo.
tenho medo e continuo à espera.

Esta espera terrivel que me suga as forças

e, me corroí a alma.



Ainda te espero, mesmo com medo.
Ainda olho pela janela e fico incessante a adivinhar a tua sombra,

perdida em mim.

Ainda adormeço a sorrir para que quando chegues

não te incomodes com a minha tristeza, e ainda assim

anseio por ti.


Podes vir. Já camuflei a dor no sorriso

e mesmo que chegues e sintas a lágrima húmida

que descontrolada verte dos meus olhos

Por favor, fica. Fica porque preciso de ti.

Fica pois prometo que não faço barulho.

segunda-feira, março 31

Vantagem espacial.
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E que rica vantagem.



"Tirem-me a vista. Tirem-me para sempre a luz de Lisboa, tirem-me as encostas do Douro, o Tejo e o Alentejo, tirem-me a calçada dos passeios e os azulejos da parede.Tirem-me o ouvido.Tirem-me para sempre o choro da guitarra e o pranto do fadista, tirem-me os pregões das mulheres do bulhão e a pronúncia de norte a sul, tirem-me a fúria de espuma das ondas e o grito do golo.Tirem-me o tacto.Tirem-me para sempre o sol de Inverno a bater na cara, tirem-me o barro a ganhar forma entre os dedos, tirem-me o rosto queimado da minha mãe e a mão áspera do meu pai.Tirem-me tudo isto, mas não me tirem o gosto.Porque se eu ainda for capaz de saborear a alheira a rebentar de sabor, ou o bacalhau com todos a nadar em azeite, serei capaz de dizer, se não me tirarem a fala, que estou em Portugal".

in anúncio Oliveira da Serra

quinta-feira, março 27

O nosso projecto

Entrada I, Fontelo, Lamego

Finalmente férias. Finalmente o descanso merecido. Finalmente o descanso dos dedos e da alma. Ter conquistado a minha pequena semana de férias neste paraíso sabia a vitória e configurava algo que eu pensava já ter esquecido de como era: a liberdade incondicional de tudo e uma leveza intocável.
Decidi entregar a minha vida aos livros quando num dia de Inverno a minha avó me leu uma carta do meu avô junto da lareira. Uma carta perfeitamente banal com tantas outras escritas por homens enamorados, receosos da guerra e ansiosos por chegar a casa. A guerra do ultramar não resultou apenas em massacres, mortes e feridos com também, e isto é irónico, conseguiu aproximar aquilo que a distância teimava em esquecer: a lealdade. Mesmo quando o meu avô resistia por palavras à dificil realidade iminente da morte, ele conseguia ser leal à minha avó, conseguia ser digno e defender a pátria como algo inseparavel da sua propria materia. Ela sabia que os sinónimos de uma guerra não alimentavam alegrias mas mesmo assim, mesmo com medo e com o duro sentimento de espera ela tinha sempre um papel recheado de palavras doces e de esperança a retribuir. A carta que me foi lida nessa tarde não suscitou em mim pena, nem ódio, nem desejo nem nada, mas fez com que, através da combinção das palavras certas eu conseguisse navegar num rio de frases que por mais tristes que soassem, embalavam-me na forma com eram desembarcadas num parágrafo. Então começei a escrever e desde aí descobri um novo e eterno amor: a escrita. Aprendi a conviver com a solidão e a ausência de pessoas mas cresci a manusear palavras e a atravessar rios quando colocava o último ponto final. Falava das pessoas sem as conhecer, contava histórias reais que nunca presenciei, imaginava conversas mesmo ser as ter tido, e tudo isto porque aprendi a fazer travessias utilizando palavras. Quando começava nunca mais parava. E agora estava de férias. Decidi descansar as mãos e no fundo o corpo, porque no fundo eu sabia que o meu cérebro continuaria a viajar mesmos sem remos, continuaria a criar sem cessar. Esta era a minha melhor forma de ser escritor mas infelizmente a mais improvável. As minhas mãos já familiarizadas com a minha obsoleta máquina de escrever não tinha andamento para os meus neurónios, mas isso não me importava porque eu sabia que mesmo de férias nunca conseguiria deixar de escrever.
Estes dias em Lamego asseguravam-me novas propostas mas sobretudo proporcionavam-me o descanso prometido desde os dois últimos anos. Agora vou parar de escrever e gozar as minahs pequenas férias antes de me voltar a vestir de marinheiro de água doce. Talvez Lamego desperte em mim a inspiração necessária para um outro livro ou estória.

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João caminhava por entre os prados verdes da terra nortenha onde nascera. Conhecia os trilhos e as matas como ninguém mas naquela tarde tudo parecia estranhamente diferente. O dia estava cinzento o que não era de admirar, mas a névoa envolta das árvores cheirava a mistério, a algo oculto e secreto. João sabia que estes pensamentos incomuns eram fruto da sua imaginação e aliás soavam a tolice, nunca acreditara nessas coisas e nem sequer se prendia a aventuras tolas como as dos livros, aliás a sua vida decerto daria um livro mas sem pinta de ficção. Após o acidente que vitimara a sua mulher e lhe deixara um filho doente, a sua vida descambara. Esfalfava-se a trabalhar para pagar a cura da invalidez subida do filho, que para piorar não dava sinal de melhoras. A acrescentar a este quadro negro, João não conseguia arranjar trabalho na sua área. Desde cedo soube que a arqueologia não garantia um futuro brilhante e promissor mas a possibilidade de poder descobrir documentos e vestígios históricos espicaçava a sua garnde paixão. Enquanto esperava sem esperança um novo trabalho, João explorava a sua terra. Caminhou, e ao fim de algumas horas descobriu um novo trilho. Disposto a descobrir onde a pequena recta de terra ia terminar, João apressou o passo à medida que aguçava a sua curiosidade. Quando já cansado de um caminho que se afigurava interminável, o seu coração acelerou e os seus pés por contradição e estagnaram. Ali à sua frente encontravam-se trÊs degraus cobertos de musgo frecso cingidos a uma pequena porta de madeira. Sem saber o que se encontrava por detrás da portela João inspirou antes de prosseguir. Sabia que para estes lados entrar em propriedade alheia significava um desrespeito, mas por outro lado provavelmente ninguém habitava para além do centro da vila, até porque era nesta zona que se situava a misteriosa casa do poço. Então já com a pulga da sua profissão a morder-lhe nos dedos João entrou. Não ficou surpreendido ao ver uma nova escadaria, o estranho era a forma e a concepção destas escadas: enterradas sobre a terra estendia-se uma enorme fila de degraus encavalitados que não parceiam ter fim, sem medos e sem pensar muito desceu. Que curioso, pensou João ao ver que o material que suportava a munomental escadaria brilhava, um brilho baço que dava ares de ouro sujo. Não podia ser ouro, era surrealista pensar que uma escada entranhada sobre uma porção de terra tivesse sido contruída ali e ainda por cima em ouro. Devia ter sido um erro arquitectónico ou uma escadaria antiga que ficou ali após a demolição de uma casa antiga. Precorreu os degraus caminhando num ritmo descompassado, e quando já se preparava para descobrir o fundo ao pote deparou-se com um extenso corredor. Esta estória estava a ficar cada vez mais macabra, mas os ossos do seu ofício falavam mais alto. Depois de ter andando cerca de 3km avistou uma entrada cuja geometria representava o antigo estilo manuelino. Não tinha dúvidas. Ao trespassar o arco execessivamnete trabalhado e próprio do estilo arquitectónico, João deu de caras com uma riquissima sala, sala esta que fazia lembrar o hall possível de visitar na casa do poço. Seria esta sala uma continuação do hall? Provavelmente, sendo que a poucos metrso dali situava-se esse espaço privilegiado e simbólico. Mas permaneceria ainda anónimo? A julgar pela quantidade de objectos que se encontravam despojados, esta sala era ainda desconhecida.
Isto é de loucos! Parecia estar a viver uma das histórias maçónicas e secretas de Dan Brown. Lembrou-se dum nome que lhe provocou uma gargalhada a qual ecuou pela sala toda arrepiando-o até aos cabelos. Patético "o código de João", o que naõ se revelava decabido era a quantidade de material ,decerto valioso, que se reunia ali. A sorte parecia estar do seu lado: este achado poderia significar a cura para o seu filho; por outro lado açambarcar-se de objectos alheios era crime, e pior significa um acto anti-ético para com a sua profissão e com os seus principios. Estes obejctos de índole reliogiosa, vistos terem pertencido a antiga Sé de Lamego, aliás como o conjunto exposto na casa do poço, não se restringiam apenas a peças, ali encontravam-se também antigos documentos. João aproximou-se da mesinha colocada no centro e pode ler no documento já envelhecido e degradado "Unctio infirmus - in articulo mortis" . De repente os eu coração pareceu ter congelado perante aquelas palavras. Tendo já estudado latim rapidamente percebeu que se tratava de um testemunho relativo a um sacramento cristão. Aquele título gravado a tinta evidenciava uma revelação iminente. "Unção dos enfermos - a ponto de morrer", representava o sacramento referido actualmente como a extrema-unção, a qual é dada a um membro da igreja na hora da sua morte. Mas para isso não era necessário um documneto oficial, aliás os sacramentos são recebidos por padres ou outros membros religiosos sem ser necessário obter alguma prova material. Sem perder o fio à meada, João tentou ler mais um pouco do que compreendia e do que o documento permitia tal era o seu estado de conservação. Conseguiu perceber que se tratava de um auto-sacramento, ou sejo, um padre que deu a si mesmo a extrema-unção porque contra as regras sagradas e considerado uma violação à vida humana, decidiu praticar o suicídio. Com o coração a preparar-se para saltar da boca, mais abaixo era possível decifrar a razão pela qual este padre quebrou as normas da Igreja e as da vida cristã: o padre antes de ser um servo da Igreja era um homem e incorreu em pecado, deixou-se seduzir por uma jovem menor e assim auto-condenou-se para a eternidade.
Sem aviso começou a sentir a cabeça andar à roda, explicáveis nauseas envolviam-lhe o estômago e subiam até ao goto em forma de vómitos. Não sabia o que pensar. Estaria os interesses monetários acima da honra pessoal de um Homem? Poderia ser milionário entregando apenas o documento, já nem sequer se punha a questão dos objectos históricos. Poderia ser internacionalmente conhecido pelo seu trabalho e a sua melhor arte: a arqueologia. Mas por outro lado não conseguia aceitar o facto de denunciar algo do passado, que possivelmente poderia manchar a imagem da Igreja que bem se sabia andava por baixo. Já não bastava o facto de muitos dogmas instituidos no catolicismo não se adaptarem aos tempos modernos, agora manchar o nome de um homem, que devido à vocação que seguiu teve que segregar uma posssível paixão, caracteristíca da sua composição genética. Era um homem!
Quando novamente enfrentou a luz do dia, já tinha anoitecido. Regressou a casa e depois de jantar e deitar o seu filho, lembrou-se da sua mulher. Que saudades dos seus cabelos ondulados... A dura realidade de nunca mais a poder ter asfixiava o seu coração. Recordou o padre... provavelmente também ele se sentiu com o coração asfixiado, provavelmente também amara com toda a paixão. Fechou os olhos. Amanhã era outro dia, um dia perfeito para tomar uma decisão difícil.

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Resumo:
João é um homem determinado e marcado pelas peripécias
da vida. Vivendo a relalidade do desemprego e tendo a cargo
um filho doente, João não consegue esconder a saudade que
sente da sua falecido mulher e a paixão que não nega pelo seu
trabalho: a arqueologia. Precorrendo os trilhos da aldeia que o
viu nascer, o jovem arqueólogo descobre um tesouro secreto que
vai para além dos valores monetários e do reconhecimento internacional.
O que pode ser mais importante: a saúde de um filho e o tão desejado
e merecido mérito ou os valores morais e os princípios humanos? Que
implicações podem estar por detrás de uma revelação? Que homem tem
poder para condenar uma instituição? Caminhos imprecisos que João terá
de percorrer acabando por no fim decidir trilhar o caminho da ética e por
conseguinte, da felicidade devida.
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- Boa noite.
- Boa noite. Os meus parabéns! A história está penetrante e evasiva.
- Obrigado. Fiz o meu melhor.
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- Boa noite. Dá-me um autógrafo?
- Olá. Claro. Onde assin0?
Ao fim de algumas horas....
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- Bem estou esausto. Não volto a escrever um livro tão cedo!
- Isso já tu dizias antes de ires de férias. Grande noite. Parabéns! Vemo-nos amanhã numa nova sessão de autógrafos meu escritor favorito.
- Claro. E o teu escritor favorito não merece um beijo?
- Todos os que quiseres.

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E assim acabaram enrolados sobre o chão frio da sala de palestras. Talvez não escrevesse um livro tão cedo mas enquanto escritor nunca deixaria de fazer travessias...

Nota: Todos as referências espaciais indicadas no texto correspondem a factos, bem como o lugar onde foi tirada a fotografia anexada ao post, a qual é da autoria da minha artista TÂnia e sem a qual não teria sido possível escrever este post. Foste tu e a tua criação que me deram a inspiração e portanto é a ti e ao nosso projecto que dedico a única coisa que faço mais ou menos bem. Peço desculpa pela extensão do post. Sem mais só posso dizer: Obrigado.

quarta-feira, março 26

O meu ópio

Por isso eu tomo ópio.
É um remédio.
Sou um convalescente do momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Álvaro de Campos, Opiário

O meu ópio não vem do Oriente mas da minha inspiração:

"Por isso me encho de inspiração
É o meu bálsamo.
Sou uma principiante de ante-estreia.
Moro numa pequena janela de fundo verde
E parar de escrever aprisiona-me a criatividade.

segunda-feira, março 17

Um dia prometo que deixa de ser um dia


Deliciosos. Absolutamente deliciosos. O primeiro momento do meu dia começa com um gole de café amargo mas que doce que sabe... Não mexo o açucar no café mas faço questão de ler o pacote, e é tão bom. Pequenas loucuras ali esccancaradas à minha frente, e por mais absurdas que pareçam eu coloco um ponto de interrogação na minha chávena, e assim fico a saborar o meu café amargo com a incerteza de quem um dia também deseja que não seja apenas mais um dia.

Hoje é o dia.

São sim, os meus pequenos encontros perfeitos.

quinta-feira, março 13

Ver antes de Olhar



I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I say to myself
What a wonderful world

Um mundo maravilhoso. Estava a viver a possibilidade de viajar e chegar ao lugar prometido. Tinha a roupa do corpo e uma mala com mais de 5kg de recordações. Não pesavam, apesar de irem na 1ºclasse da minha memória, poder sentir a textura da vida que deixava para trás era tudo o que me restava. Não deixava a minha vida para trás mas entrava numa nova vida. Estava serena e a luz do sol acompanhava a minha sombra.
Caminhei durante cerca de 1h e quando cheguei ao meu destino sorri. Ninguem percebia o meu sorriso, ninguem compreendia porque estava feliz e principalmente niguém se predispunha a aceitar que me encontrei. Ainda me recordo da expressão do meu pai quando o informei da minha decisão. Ficou amarelo e só quando percebeu que havia firmeza na minha voz compreendeu o que realmente queria. Perguntara-me: "Mas porquê? És jovem, bonita, inteligente e concerteza isto é apenas uma fase. Espera mais um tempo e então logo vês se é isto que realmente queres", eu ouvi-o, em silêncio e de ouvidos bem abertos mas limitei-me apenas a dizer-lhe: "Pai encontrei um novo caminho, descobri a forma de olhar para o mundo, encontrei vida em todas as coisas e sobretudo encontrei-me." Ficou a fitar-me durante algum tempo com a expressão de quem não tinha percebido, mas não perguntou mais nada. Também não era necessário explicar, aliás ser feliz não se explica. Como explicar a um velho cheio de experiência que o caminho escolhido não tem estradas? Como dizer à pessoa que me criou que finalmente descobri como ser feliz? Sabia que lhe doía a minha decisão, sabia que lhe custava, e por mais que tentasse imaginar a sua dor eu sabia que ele chorava por dentro enquanto me mostrava o seu sorriso aberto.
Defronte daquele edificio grandioso, frondoso e até intimidador respirei fundo. Senti a natureza: as flores, as árvores, a água, o som dos passáros tudo num misto de satisfação e curiosidade. Nem eu percebi a partir de que momento da minha vida, eu começei a olhar para todos os objectos comuns que tinha em casa com outro olhar, a vê-los além da capa, dos clichés, das definições. Começei a ver antes de olhar. Só me apercebi que começei a ver as particularidades e é nelas que reside a essÊncia das coisas, é no cheiro da chuva, num abraço apertado, num desabafo de café, numa lágrima escondida que podemos descobrir intrísecamente a humanidade. Foi isso que me aconteçeu: começei a amar incondicionalmente o mundo e a humanidade. Amava-a de facto. Amava-a com todas as suas qualidades e defeitos e a verdade escancarada à minha frente surgiu como uma revelação espontanea e nada medonha.
Junto ao peito agarrei o meu primero terço, dado pela minha avó no dia da 1º cumunhão. Inspirei lentamente e dei duas baforadas quase que ofegantes. O sol já pintava de vermelho a rua, não tardava a anoitecer. Quando isso acontecesse provavelmente já estaria no meu quarto a encontrar-me comigo e sobretudo com Ele, para assim fazer a primeira das minhas orações eternas.