quarta-feira, julho 30

pedaços do meu pequeno projecto

- Aqui somos nós e indiferença com velhice por sabermos que ela cria raiz na mente e não no corpo, para onde vais é a inconsciente pressa de a acelerar na mente e de a dissimular do rosto. Para o relógio os dias são iguais, para nós o tempo é a nossa própria substância. – Abraçaram-se demoradamente, sem tomar atenção a repetível campainha que soava indicando o embarque. Pelos ares partiu Ariel para um novo mundo, em terra firme ficou James e o segredo que mudaria o mundo actual.

- Penso que nunca vou estar completa. Não posso ambicionar ter tudo porque nem mesmo o “tudo” me pode preencher a alma. Sinto que para se subsistir é necessário almejar algo que nos próprios desconhecemos. Nunca estarei completa enquanto estiver viva. Se um dia o pensar então deixarei de viver, pois nessa data não terei nada para ambicionar e verei os dias prosseguirem repetidamente. - Suspirou baixinho e deitou a cabeça sobre a fina manta de linho. Ao seu lado James sorria pela coragem de Ariel.


Andreia Silva

domingo, julho 13

Na pele de um humano

Nada faz sentido. Nada disto faz sentido. Não pode haver sentido onde já se perdeu a esperança. Não pode haver esperança onde nunca houve sonhos. Quero fechar os olhos e ainda me ardem as lágrimas que sozinhas caem sorrateiramente. Não me importa o futuro porque odeio o presente, não me imagino a viajar nas águas torbulentas da vida, não suporto esta espera da ténue maresia, não quero nem posso imaginar nascer de novo, não desejo mudar de vida só procuro um sentido inexistente. Quero ficar sozinha sem me lembrar de que existo. Sou solitária e não me importa o que possam pensar. Quero-me a mim e só a mim, e ainda assim não me suporto. O Homem não é racional, tem a consciência ilusória de que é, mas no fundo não consegue viver com a sua razão. Procura desenfreado títulos que expressem a vida, acreditando que a vida é uma constante série de procuras. Sou irracional e só desejo aprisionar-me em mim mesma. Não quero razões quero apenas perguntas, deixei de me perguntar e agora não sei viver.
Só quero ficar comigo. Vão-se todos.

sexta-feira, julho 4

Vícios

Trabalho. Trabalho desesperada e afincadamente. Trabalho, trabalho, trabalho. Mexo os músculos e comprimo-os quando o corpo parece não resistir mais, mas continuo. Sinto-me febril mas ainda assim não paro. Não posso parar, não posso descansar os músculos, não devo. Deixem-me suar e espalhar o trabalho, deixem-me suspirar ansioso de mais movimento. Não acabo, nunca termino este trabalho, não posso, não devo. Choro porque sinto a necessidade indispensável de continuar a trabalhar. Deixem-me entregue Às minhas mãos, quero ficar apenas com os meus dedos inquietos e os meus braços enérgicos. Sinto-me fruto do trabalho, e o trabalho é também um fruto de mim mesmo, sou eu. Não posso parar, não devo. Grito quando a cabeça lateja devagar e me obriga a fechar os olhos, estremeço quando as forças se esvaem sem consentimento, canto para tentar entreter os músculos doridos, não posso parar, não devo. Ao meu lado permanece a fiel garrafa inquieta e disposta a colaborar no meu trabalho, ela funciona como o óleo que limpa as minhas engrenagens e lhes dá força. As luzes baixas deste lugar sagrado e impenetrável por movimentos exteriores, continuam infinitamente acesas e ansiosas por mais energia, também elas se aliaram ao meu elixir, não posso parar não devo. Sou também parte destas sombras, sou também disforme porque quando trabalho não reconheço nada a não ser as minhas mãos: enrugadas, feridas e ansiosas pelo tacto insaciável. Não aprendi a ser outro porque nasci a trabalhar, e talvez por isso nunca soube cuidar de ti, porque nunca aprendi a cuidar de mim. Não importa em que trabalho, a certeza de que mexo o corpo basta-me. Lembro-me de ti mas retomo o trabalho, a tua ausência criou-me vícios incuráveis, não posso parar, não devo. Não quero pensar que um dia exististe em mim, não posso, não devo. Sou sensível aos vícios e não quero fazer de ti algo vicioso. Deixa-me vai-te embora de mim, odeio vícios e quero trabalhar. Não penso porque felizmente as minhas mãos reagem aos meus estímulos. Não quero lembrar-te. Desaparece de mim.
Mesmo incoerente não quero ter vícios, deixa-me trabalhar, o trabalho não é um vício é a minha filosofia.