sexta-feira, abril 18

Retrato

Ainda te olho. Ainda te olho com a mesma tristeza nos olhos e o sorriso terno de quem nunca te esqueceu. Ainda tenho o teu retrato sobre a minha mesinha, e cada vez mais o admiro e sinto tristeza. Sinto uma tristeza profunda que soa a saudade e cheira a vida. Talvez não saiba perceber o odor da vida, mas se a vitalidade se resume num misto de aromas indecifráveis ao olfacto, então a vida mora em ti, ali pousada sobre a mesinha.

Ver-te num formato pequeno e protegido por uma superfície acrílica é uma afronta. É uma afronta para ti e para a tua grandeza, é uma afronta para mim que não me canso de te imaginar, o que já em si se torna outra afronta pois os limites da minha imaginação não alcançam o teu tamanho. Mas faço questão de te poder ver, mesmo que o teu retrato ainda a preto e branco camufle intencionalmente as tuas cores. Quem chega não consegue imaginar o teu perfume, os teus contornos, a tua capacidade de receber e hospedar, tal como me hospedaste quando nos encontrámos pela 1ºvez, tal como me recebeste de braços abertos sem impores condições a uma vida que se iniciava e que para meu desgosto, e ainda inconformismo terminou. Não sei se um dia te poderei voltar a ver, mas continuarei a olhar-te de frente, continuarei sentado no meu cadeirão tentando perceber porque o fizeram, porque me afastaram de ti que sempre te amei incondicionalmente, e ainda hoje amo.

Aqui sentado tento descrever-te em poemas tolos e dispersos, mas não sei se por coincidência ou ironia a caneta vai perdendo cor, e as palavras ainda não preencheram o bloco, e em cada uma das minhas rugas tu estás presente... As lembranças infinitas rodopiam e dançam no meu cérebro, fico estonteado de recordar os anos, que para mim parecem ter sido poucos, em que me acolhias, cada noite de uma derrota, cada tarde pintada com uma vitória, cada luta e cada batalha que tão veementemente defendi. Talvez um dia, quando as minhas rugas pararem de se atropelar em redor dos meus olhos e as minhas pernas permitirem que te visite, eu prometo que mesmo depois da expulsão de terceiros eu voltarei a ti. Mesmo depois das injustiças da guerra eu voltarei para cumprir o meu último desejo: ver-te a cores e deixar-me inundar com a visão infinita de ti, minha querida Terra Natal.

Porque todas as histórias têm um motivo e um pouco do meu mundo, esta significa algumas das sombras que preenchem os relatos diários de pessoas que deixaram o lugar que as viu nascer, por motivos que aqui parecem irrelevantes. E porque acredito que o amor vai muito além de corpos aqui posto sem compaixão vidas que se perderam geograficamente mas que ainda hoje permanecem vivas. Dedico-o a todos os que ainda se perdem com retratos e deixam que a semente continue plantada, ainda em vias de ser colhida.

4 comentários:

Marisa disse...

Talvez seja por isso que goste tanto de tirar fotografias a tudo. A pessoas, a paisagens... tento capturar momentos especiais com receio que não se voltem a repetir. E se assim for tenho sempre aquela recordação. Basta abrir o album.

T. Geiroto Marcelino disse...

Andreia,

fiquei sem sopro quando acabei de ler o texto, e não foi de ser assim tão arrebatador, mas porque surpreendeste-me mais uma vez com as tuas palavras, com o teu engenho (e malandrice)que usas para surpreenderes os leitores das tuas histórias. Fiquei assim, com a respiração parada quando li "Terra Natal" e só pude voltar a libertá-la quando pensei, reconfortada, que mais uma vez me surpreendes-te e criaste algo muito bonito.

bjo,
Tânia

Anônimo disse...

Mana eu gostei muito do teu post. Mas sei que consegues surpreender.me muito mais. Apesar de ter pensado em tudo menos "Terra Natal". Enfim. Para mim es uma artista, pela arte como escreves. Espero que deposites neste blog mais de ti, pois noto que ainda estas com o pe atras. Qero coisas que me faxam cair o queixo, que eu dga "agora sim, nao reconheci mesmo a mnha irma" pois sbs que te cnhco, e sabs que sei que nestes excertos esta mto de ti ainda que seja em entrelinhas. Agora pa brincar um pouco so falta acrescentar a musica do Tony Carreira da "Minha Terra Natal" :) naaaa. O Tony é um traste.

Anônimo disse...

Andreia,

O teu Retrato é um peça espetacular
de prosa poética.
Como sabes, sou um bocado suspeito para falar do seu conteúdo, por ser, em particular, mais sensível ao que dizes, devido ao facto de ter deixado a minha terra, no desenrolar dos ventos da história.
Não tenho dúvidas de que irás ser uma pessoa de sucesso, nas várias actividades a que deitares mão, em particular na escrita.
Escreve, escreve sempre, mesmo que te não apeteça, porque as ideias vêm depois.
Muitos parabéns, cumprimentos aos teus pais e um beijinho para ti e para a Nádia do,

Manuel Palhares