sexta-feira, julho 4

Vícios

Trabalho. Trabalho desesperada e afincadamente. Trabalho, trabalho, trabalho. Mexo os músculos e comprimo-os quando o corpo parece não resistir mais, mas continuo. Sinto-me febril mas ainda assim não paro. Não posso parar, não posso descansar os músculos, não devo. Deixem-me suar e espalhar o trabalho, deixem-me suspirar ansioso de mais movimento. Não acabo, nunca termino este trabalho, não posso, não devo. Choro porque sinto a necessidade indispensável de continuar a trabalhar. Deixem-me entregue Às minhas mãos, quero ficar apenas com os meus dedos inquietos e os meus braços enérgicos. Sinto-me fruto do trabalho, e o trabalho é também um fruto de mim mesmo, sou eu. Não posso parar, não devo. Grito quando a cabeça lateja devagar e me obriga a fechar os olhos, estremeço quando as forças se esvaem sem consentimento, canto para tentar entreter os músculos doridos, não posso parar, não devo. Ao meu lado permanece a fiel garrafa inquieta e disposta a colaborar no meu trabalho, ela funciona como o óleo que limpa as minhas engrenagens e lhes dá força. As luzes baixas deste lugar sagrado e impenetrável por movimentos exteriores, continuam infinitamente acesas e ansiosas por mais energia, também elas se aliaram ao meu elixir, não posso parar não devo. Sou também parte destas sombras, sou também disforme porque quando trabalho não reconheço nada a não ser as minhas mãos: enrugadas, feridas e ansiosas pelo tacto insaciável. Não aprendi a ser outro porque nasci a trabalhar, e talvez por isso nunca soube cuidar de ti, porque nunca aprendi a cuidar de mim. Não importa em que trabalho, a certeza de que mexo o corpo basta-me. Lembro-me de ti mas retomo o trabalho, a tua ausência criou-me vícios incuráveis, não posso parar, não devo. Não quero pensar que um dia exististe em mim, não posso, não devo. Sou sensível aos vícios e não quero fazer de ti algo vicioso. Deixa-me vai-te embora de mim, odeio vícios e quero trabalhar. Não penso porque felizmente as minhas mãos reagem aos meus estímulos. Não quero lembrar-te. Desaparece de mim.
Mesmo incoerente não quero ter vícios, deixa-me trabalhar, o trabalho não é um vício é a minha filosofia.

2 comentários:

Anônimo disse...

O trabalho tb pode ser um vício e para este ‘ele’ o trabalho é um vício sem dúvida. O amor tb faz falta e sentir q outra pessoa existiu em nós é o melhor dos prazeres da vida. E tu existes em mim. Quero lembrar-te e não quero q desapareças de mim.

Gostei muito do teu texto. Como sempre é divino o teu trabalho. Fez me lembrar o meu heterónimo preferido do Fernando Pessoa. =) Álvaro de Campos.
Amoro-te **

blurred disse...

adorei a exaltaçao q o texto transmite. conforme fui lendo, fui me deixando levar pela velocidade q deste às palavras :) parabens, gostei muito.