Entrada I, Fontelo, Lamego
Finalmente férias. Finalmente o descanso merecido. Finalmente o descanso dos dedos e da alma. Ter conquistado a minha pequena semana de férias neste paraíso sabia a vitória e configurava algo que eu pensava já ter esquecido de como era: a liberdade incondicional de tudo e uma leveza intocável.
Decidi entregar a minha vida aos livros quando num dia de Inverno a minha avó me leu uma carta do meu avô junto da lareira. Uma carta perfeitamente banal com tantas outras escritas por homens enamorados, receosos da guerra e ansiosos por chegar a casa. A guerra do ultramar não resultou apenas em massacres, mortes e feridos com também, e isto é irónico, conseguiu aproximar aquilo que a distância teimava em esquecer: a lealdade. Mesmo quando o meu avô resistia por palavras à dificil realidade iminente da morte, ele conseguia ser leal à minha avó, conseguia ser digno e defender a pátria como algo inseparavel da sua propria materia. Ela sabia que os sinónimos de uma guerra não alimentavam alegrias mas mesmo assim, mesmo com medo e com o duro sentimento de espera ela tinha sempre um papel recheado de palavras doces e de esperança a retribuir. A carta que me foi lida nessa tarde não suscitou em mim pena, nem ódio, nem desejo nem nada, mas fez com que, através da combinção das palavras certas eu conseguisse navegar num rio de frases que por mais tristes que soassem, embalavam-me na forma com eram desembarcadas num parágrafo. Então começei a escrever e desde aí descobri um novo e eterno amor: a escrita. Aprendi a conviver com a solidão e a ausência de pessoas mas cresci a manusear palavras e a atravessar rios quando colocava o último ponto final. Falava das pessoas sem as conhecer, contava histórias reais que nunca presenciei, imaginava conversas mesmo ser as ter tido, e tudo isto porque aprendi a fazer travessias utilizando palavras. Quando começava nunca mais parava. E agora estava de férias. Decidi descansar as mãos e no fundo o corpo, porque no fundo eu sabia que o meu cérebro continuaria a viajar mesmos sem remos, continuaria a criar sem cessar. Esta era a minha melhor forma de ser escritor mas infelizmente a mais improvável. As minhas mãos já familiarizadas com a minha obsoleta máquina de escrever não tinha andamento para os meus neurónios, mas isso não me importava porque eu sabia que mesmo de férias nunca conseguiria deixar de escrever.
Estes dias em Lamego asseguravam-me novas propostas mas sobretudo proporcionavam-me o descanso prometido desde os dois últimos anos. Agora vou parar de escrever e gozar as minahs pequenas férias antes de me voltar a vestir de marinheiro de água doce. Talvez Lamego desperte em mim a inspiração necessária para um outro livro ou estória.
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João caminhava por entre os prados verdes da terra nortenha onde nascera. Conhecia os trilhos e as matas como ninguém mas naquela tarde tudo parecia estranhamente diferente. O dia estava cinzento o que não era de admirar, mas a névoa envolta das árvores cheirava a mistério, a algo oculto e secreto. João sabia que estes pensamentos incomuns eram fruto da sua imaginação e aliás soavam a tolice, nunca acreditara nessas coisas e nem sequer se prendia a aventuras tolas como as dos livros, aliás a sua vida decerto daria um livro mas sem pinta de ficção. Após o acidente que vitimara a sua mulher e lhe deixara um filho doente, a sua vida descambara. Esfalfava-se a trabalhar para pagar a cura da invalidez subida do filho, que para piorar não dava sinal de melhoras. A acrescentar a este quadro negro, João não conseguia arranjar trabalho na sua área. Desde cedo soube que a arqueologia não garantia um futuro brilhante e promissor mas a possibilidade de poder descobrir documentos e vestígios históricos espicaçava a sua garnde paixão. Enquanto esperava sem esperança um novo trabalho, João explorava a sua terra. Caminhou, e ao fim de algumas horas descobriu um novo trilho. Disposto a descobrir onde a pequena recta de terra ia terminar, João apressou o passo à medida que aguçava a sua curiosidade. Quando já cansado de um caminho que se afigurava interminável, o seu coração acelerou e os seus pés por contradição e estagnaram. Ali à sua frente encontravam-se trÊs degraus cobertos de musgo frecso cingidos a uma pequena porta de madeira. Sem saber o que se encontrava por detrás da portela João inspirou antes de prosseguir. Sabia que para estes lados entrar em propriedade alheia significava um desrespeito, mas por outro lado provavelmente ninguém habitava para além do centro da vila, até porque era nesta zona que se situava a misteriosa casa do poço. Então já com a pulga da sua profissão a morder-lhe nos dedos João entrou. Não ficou surpreendido ao ver uma nova escadaria, o estranho era a forma e a concepção destas escadas: enterradas sobre a terra estendia-se uma enorme fila de degraus encavalitados que não parceiam ter fim, sem medos e sem pensar muito desceu. Que curioso, pensou João ao ver que o material que suportava a munomental escadaria brilhava, um brilho baço que dava ares de ouro sujo. Não podia ser ouro, era surrealista pensar que uma escada entranhada sobre uma porção de terra tivesse sido contruída ali e ainda por cima em ouro. Devia ter sido um erro arquitectónico ou uma escadaria antiga que ficou ali após a demolição de uma casa antiga. Precorreu os degraus caminhando num ritmo descompassado, e quando já se preparava para descobrir o fundo ao pote deparou-se com um extenso corredor. Esta estória estava a ficar cada vez mais macabra, mas os ossos do seu ofício falavam mais alto. Depois de ter andando cerca de 3km avistou uma entrada cuja geometria representava o antigo estilo manuelino. Não tinha dúvidas. Ao trespassar o arco execessivamnete trabalhado e próprio do estilo arquitectónico, João deu de caras com uma riquissima sala, sala esta que fazia lembrar o hall possível de visitar na casa do poço. Seria esta sala uma continuação do hall? Provavelmente, sendo que a poucos metrso dali situava-se esse espaço privilegiado e simbólico. Mas permaneceria ainda anónimo? A julgar pela quantidade de objectos que se encontravam despojados, esta sala era ainda desconhecida.
Isto é de loucos! Parecia estar a viver uma das histórias maçónicas e secretas de Dan Brown. Lembrou-se dum nome que lhe provocou uma gargalhada a qual ecuou pela sala toda arrepiando-o até aos cabelos. Patético "o código de João", o que naõ se revelava decabido era a quantidade de material ,decerto valioso, que se reunia ali. A sorte parecia estar do seu lado: este achado poderia significar a cura para o seu filho; por outro lado açambarcar-se de objectos alheios era crime, e pior significa um acto anti-ético para com a sua profissão e com os seus principios. Estes obejctos de índole reliogiosa, vistos terem pertencido a antiga Sé de Lamego, aliás como o conjunto exposto na casa do poço, não se restringiam apenas a peças, ali encontravam-se também antigos documentos. João aproximou-se da mesinha colocada no centro e pode ler no documento já envelhecido e degradado "Unctio infirmus - in articulo mortis" . De repente os eu coração pareceu ter congelado perante aquelas palavras. Tendo já estudado latim rapidamente percebeu que se tratava de um testemunho relativo a um sacramento cristão. Aquele título gravado a tinta evidenciava uma revelação iminente. "Unção dos enfermos - a ponto de morrer", representava o sacramento referido actualmente como a extrema-unção, a qual é dada a um membro da igreja na hora da sua morte. Mas para isso não era necessário um documneto oficial, aliás os sacramentos são recebidos por padres ou outros membros religiosos sem ser necessário obter alguma prova material. Sem perder o fio à meada, João tentou ler mais um pouco do que compreendia e do que o documento permitia tal era o seu estado de conservação. Conseguiu perceber que se tratava de um auto-sacramento, ou sejo, um padre que deu a si mesmo a extrema-unção porque contra as regras sagradas e considerado uma violação à vida humana, decidiu praticar o suicídio. Com o coração a preparar-se para saltar da boca, mais abaixo era possível decifrar a razão pela qual este padre quebrou as normas da Igreja e as da vida cristã: o padre antes de ser um servo da Igreja era um homem e incorreu em pecado, deixou-se seduzir por uma jovem menor e assim auto-condenou-se para a eternidade.
Sem aviso começou a sentir a cabeça andar à roda, explicáveis nauseas envolviam-lhe o estômago e subiam até ao goto em forma de vómitos. Não sabia o que pensar. Estaria os interesses monetários acima da honra pessoal de um Homem? Poderia ser milionário entregando apenas o documento, já nem sequer se punha a questão dos objectos históricos. Poderia ser internacionalmente conhecido pelo seu trabalho e a sua melhor arte: a arqueologia. Mas por outro lado não conseguia aceitar o facto de denunciar algo do passado, que possivelmente poderia manchar a imagem da Igreja que bem se sabia andava por baixo. Já não bastava o facto de muitos dogmas instituidos no catolicismo não se adaptarem aos tempos modernos, agora manchar o nome de um homem, que devido à vocação que seguiu teve que segregar uma posssível paixão, caracteristíca da sua composição genética. Era um homem!
Quando novamente enfrentou a luz do dia, já tinha anoitecido. Regressou a casa e depois de jantar e deitar o seu filho, lembrou-se da sua mulher. Que saudades dos seus cabelos ondulados... A dura realidade de nunca mais a poder ter asfixiava o seu coração. Recordou o padre... provavelmente também ele se sentiu com o coração asfixiado, provavelmente também amara com toda a paixão. Fechou os olhos. Amanhã era outro dia, um dia perfeito para tomar uma decisão difícil.
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Resumo:
João é um homem determinado e marcado pelas peripécias
da vida. Vivendo a relalidade do desemprego e tendo a cargo
um filho doente, João não consegue esconder a saudade que
sente da sua falecido mulher e a paixão que não nega pelo seu
trabalho: a arqueologia. Precorrendo os trilhos da aldeia que o
viu nascer, o jovem arqueólogo descobre um tesouro secreto que
vai para além dos valores monetários e do reconhecimento internacional.
O que pode ser mais importante: a saúde de um filho e o tão desejado
e merecido mérito ou os valores morais e os princípios humanos? Que
implicações podem estar por detrás de uma revelação? Que homem tem
poder para condenar uma instituição? Caminhos imprecisos que João terá
de percorrer acabando por no fim decidir trilhar o caminho da ética e por
conseguinte, da felicidade devida.
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- Boa noite.
- Boa noite. Os meus parabéns! A história está penetrante e evasiva.
- Obrigado. Fiz o meu melhor.
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- Boa noite. Dá-me um autógrafo?
- Olá. Claro. Onde assin0?
Ao fim de algumas horas....
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- Bem estou esausto. Não volto a escrever um livro tão cedo!
- Isso já tu dizias antes de ires de férias. Grande noite. Parabéns! Vemo-nos amanhã numa nova sessão de autógrafos meu escritor favorito.
- Claro. E o teu escritor favorito não merece um beijo?
- Todos os que quiseres.
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E assim acabaram enrolados sobre o chão frio da sala de palestras. Talvez não escrevesse um livro tão cedo mas enquanto escritor nunca deixaria de fazer travessias...
Nota: Todos as referências espaciais indicadas no texto correspondem a factos, bem como o lugar onde foi tirada a fotografia anexada ao post, a qual é da autoria da minha artista TÂnia e sem a qual não teria sido possível escrever este post. Foste tu e a tua criação que me deram a inspiração e portanto é a ti e ao nosso projecto que dedico a única coisa que faço mais ou menos bem. Peço desculpa pela extensão do post. Sem mais só posso dizer: Obrigado.