sábado, março 21

Dualidade de um ser

O termómetro marcava 24ºC. Ao contemplar a brisa e a limpidez do céu poderia afirmar-se que estávamos num dos dias de Junho: o céu afigurava-se como uma manta de estrelas e a lua apresentava-se tão alta que de certo tornar-se-ia impossível presumir uma distância ou calcular a infinitude do céu. Mas não. Quem o pensasse achar-se-ia preso pelo engano pois tal como o termómetro também o calendário marcava '27 de Março'. Um dia que como tantos outros despertou com as Ânsias, os receios e desejos de uns; os atrasos, humores e desencontros de outros. Um dia que aparentemente se assemelhava aos outros que já tinham sido esquecidos e demarcado do bloco definido. No entanto já a noite se tinha expandido no tempo e o dia morria uma vez mais engolindo todos os desejos que nele tinham sido encerrados. De repente sem aviso prévio a aragem soprou e na constante presença da ténue brisa senti um arrepio. O ar tornou-se mais frio e o meu corpo reagiu. Estático incomodou-se, confortável destabilizou e a minha pele alterou-se tornando-se fresca. A simples mudança da temperatura no meu corpo desencadeou mais que um simples arrepio. A densidade do ar tornou-se mais pesada e eu mais frágil, vulnerável. Metamorfoses.

Da mesma forma que a minha plataforma física estranhou a inoportuna brisa assim se acostumou. É o poder da acomodação às circunstâncias, é a envolvência do corpo no espaço que o sustenta. O corpo. Em todos os anteriores momentos a consciência consistia todo o meu ser mas a realidade estampou a inconstância e mutabilidade da mesma pelo corpo. Apercebi-me pela sensibilidade a mesma que aflora os sentidos e a que parte do meu interior interferindo naquilo que me permite existir, o que faz com que ocupe um lugar, este.

Em tantos outras alturas acreditei ser a mente a única capaz de me fazer realmente permanecer, existir. Mas senti frio. E então apercebi-me da importância do corpo. O corpo que sou e o que sou no corpo. O que não controlamos interiormente devido à rebeldia do pensamento reflecte-se na necessidade de nos assegurarmos pelo exterior e por mais que ridículo que possa parecer há a ideia de escolhermos o corpo. É irreal imaginar-se sem as minhas mãos por onde sinto o toque que me permite palpar o mundo, sem os olhos por onde vejo a janela da minha realidade, sem as pernas que não me deixam entorpecer. É pelo corpo que sinto o prazer e retenho as recordações, as mais plenas tal como é por ele que descubro as mazelas discriminadas nas pequenas cicatrizes. Sim entendo o corpo como uma fonte de prazer e talvez por isso consuma a intolerável dor pela consciência pois não há nada que a atenue. É por ele que estou e é por ele que muitos me vêem. Todavia somos mais que corpos deambulantes, porque só os corpos nada são como talvez a consciência nada seja sem um corpo que a transmute para a realidade física que nos dá espaço, visualidade, existência.

(há que aprofundar melhor. Mas agora estou cansada em ambos os sentidos)

Um comentário:

ana disse...

Profundo, interessante, e acima de tudo..."fofo" ;) Acompanho isto, tens noção não tens? BeijããOOO!