domingo, junho 29

Ousadia sem presunção


"Um livro moral ou imoral é coisa que não existe. Os livros são bem escritos, ou mal escritos. E é tudo."


"Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, contando que não a admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada.

Toda a arte é completamente inútil."


Oscar Wilde in O Retrato de Dorian Gray

domingo, junho 22

Deixem-me! Por favor, deixem-me! Quero ficar só! Não quero que nenhuma das vossas vozes me perturbe o olhar! Larguem-me, aqui sozinho. A vossa "presença arrumada" entre livros e teses importuna-me! Quero ficar só. Quero somente ficar com as plantas que brotam todas as Primaveras e que morrem continuamente no Inverno. Quero desesperadamente ficar a admirá-las, e por favor vão-se embora! Estou cansado de tantos "mas", estou cansado das vossas teorias inoportunas e incessantemente terminadas em "mente" ou "íssimo"! Saiam! Agora! A vossa presença intimida o crescimento da natureza. Vocês de gravata e terno alinhado, impede o florescer das minhas colheitas. Vão! Quero ler Caeiro à sombra da minha Oliveira, essa árvore sagrada dos deuses. DESAPAREÇAM!
Vi na Natureza o que o carácter natural de cada um não me mostrou,

Vi ali, plantado dentro da terra húmida, o elixir que me alimenta.

Sim, ali sobre as árvores a sabedoria veste-se de verde,

Não sofre, carregada de respeitosos livros. Não, ela não conhece Homero,

Nem Camões, nem sequer Caeiro. É somente ela, sozinha e divina.

Portanto, não lhe acrescentem vistosas palavras com terno vestido,

Pois para pronunciar "Vida" é somente necessário ter-se nascido.

Andreia Silva, sem palavras complicadas

sábado, junho 21

Separações (fragmentos)

"Parto sem palavras, porque os meus olhos não a conseguem encarar de frente. Parto por saber que se a voltasse a encarar, provavelmente deitar-me-ia consigo durante noites infinitas e perderia a juventude como as frutas do nosso quintal. Parto por saber que anseia pela minha felicidade mesmo que isso afecte a sua."


in "Saída sem porta", Andreia Silva
Irrita-me. Irrita-me pensar que te amo. Sufoca-me. Sufoca-me a ideia de estarmos separados. Odeio-me. Odeio-me por te amar mas sobretudo por te deixar sair da minha vida sem sequer te cobrar. Enerva-me. Enerva-me essa tua forma simples como te resignaste, enerva-me pensar em ti mas perco-me a tentar imaginar-te. Impressiono-me. Impressiono-me com o teu jeito de desistir. Enlouquece-me. Enlouquece-me ver a tua sombra a dormir ao meu lado. Deixa-me. Deixa-me, não quero pensar nos caminhos antagónicos que seguimos. Não quero, nem posso. Vai por favor. Prefiro perder-te de vez a lembrar-me que desejo percorrer um caminho paralelo ao teu.
Andreia Silva

sábado, junho 7

Vivemos num Mundo ao contrário? Ou do lado avesso do mundo?

São 6h da manhã. O sol já nasceu sem que fosse preciso despertá-lo. Aqui por detrás de um mundo que não avistamos o dia parece nem dormir. A rotina barulhenta das armas que disparam incessantes não nos descansa, não nos deixa fechar os olhos sem que tenhamos o receio de não os voltar a abrir. O rebanho já está preparado, embora não haja preparação. Eu sei que também as minhas ovelhas sentem a inquietação de quem não sabe o dia de amanhã. Noto-lhes a força como agora comem a erva, e o rebanho mantém-se cada vez mais próximo. Sim, também eles têm a premonição de que a qualquer instante uma arma nos extermine o sopro da vida.

Acordo mesmo que na noite anterior agora já dissipada pelo sol os meus olhos não tenham fechado. Ficaram vigilantes e atentos aos meus quatro filhos, ao meu lado aparentemente descansados, mas também eles, também eles por mais que lhes doa o sentimento de que a infância lhes foge por entre os dedos, sabem que a qualquer momento a minha cama poderá deixar e estar anexada à deles. Ser mãe foi como ter uma esperança de que as nossas gerações seriam salvas por estes guerrilheiros que sem armas calariam o país, estas crianças que se tornariam opositores a este regime sem estrutura disparatadamente abusivo e instaurassem as leis que deixassem o sol dormir mais um pouco.

Os homens chegaram. Levaram dois dos meus filhos. Deixaram as meninas com a ameaça certa de que ao meu terraço voltariam para as levar. Arrancaram-me a roupa. Penetraram-me sem dó, fui espancada por que gritava com lágrimas e porque me enojava com aquelas barbas que roçavam contra o meu peito. Pensava no meu marido, também ele se sentia obrigado a entrar nesta luta contra a vida e agora morto abandonou-nos nesta terra maldita. As minhas filhas viam a minha desgraça nas mãos de outros estranhos que violentamente me rasgavam os panos velhos envoltos no meu corpo. Choravam e gritavam uivos de dor, não as olhava directamente por vergonha, e ver aqueles animais chicoteá-las feria-me o coração e dilatava-me o ódio. Eles foram embora, foram-se e então olhei-as directamente. As minhas filhas, a razão pela qual eu aguentei tudo isto. Mas não aguento mais, não aguento vê-las abandonar a vida. Não suporto a ideia de que por dentro elas já estão mortas. Não sorriem. Talvez porque a fome não lhes deu consistência às bochechas. Desnutridas bebem das poças na ruas e eu, eu imito-as como cadelas sem dono nem água. A seca arrasou a nossa produção. Cultivamos milho mas agora a terra secou, também ela já se cansou de nos dar a esperança inexistente no futuro. Acabou. Vivemos na Republica democrática do Congo, aqui onde a nossa voz é abafada pelas granadas que explodem ao longe mas que soam tão perto dos nossos ouvidos que acabamos por ficar surdos. E pensar o palavreado democrático é traduzido pelo ruído ensurdecedor das vozes aclamadas destes homens impiedosos mas profundamente miseráveis. Gritam, batem, lutam mas na realidade só desejam a paz, só precisam de sentir que não há nada para lutar, não há rivalidades intransponíveis, não há bens que valham as mortes e as atrocidades que mancham esta espécie: o Homem. Pensam desesperados que mais um dia passou e pelo destino ou algo mais sobreviveram. Voltam para as suas casas receosos da paisagem que possam encontrar: as mulheres estendidas e perfeitamente receptivas ao último suspiro, os seus filhos ensanguentados e emagrecidos pelo excesso de miséria.

Anoiteceu. A lua cobre-nos a cabeça na incerteza de voltar a sorrir-nos amanhã. Elas adormeceram. A cidade permanece agora silenciosa, um silêncio medonho que assusta e que a qualquer momento pode ser irrompido por uma explosão. A neblina espalha-se deixando um rastro de sangue entranhado na calçada, sangue que não desaparece com a chuva que cai esporadicamente. Olho para os seus rostos, uma última vez, um pouco mais. Choro. Choro como uma criança que acorda de um pesadelo, choro veementemente por viver num dilema em que não vejo nenhuma saída. Ouço pela última vez a sua respiração. Não gritaram. Vendei-lhes os olhos para não verem o rosto que lhes tirou a vida. Vendei-me a mim própria para não ver o assassino que lhes tirou a vida. Lavei-as com a água que durante o dia procurei. Benzi-as e vestia-as com os últimos fatos comprados pelo meu marido. Abri uma vala e cobri-as com a terra onde nasci, cresci e irei morrer. Amanhã os homens voltarão mas não encontrarão os corpos. Amanhã não realizarão mais um negócio pagando-me uma moeda e levando-as à força para o destino da prostituição. Não, amanhã as minhas filhas já poderão descansar em paz, porque não poderão recordar o rosto ensanguentado da mãe que lhes tirou a vida. Agora vou vestir-me e lavar-me com a pouca água que sobrou, não para morrer com dignidade mas apenas porque no paraíso não quero envergonhar as minhas filhas.

Em Dezembro, a MSF tratou cinco mulheres e uma adolescente de 14 anos perto de Pweto que disseram ter sido estupradas por soldados do exército congolês. O problema pode estar subestimado devido ao medo e ao estigma (...)Um relatório publicado pela entidade em novembro do ano passado revelou que os índices de mortalidade em Kilwa são de 4.4 mortes para cada 10 mil pessoas entre crianças com menos de cinco anos de idade.


2 milhões de pessoas são traficadas todos os anos, a maioria são mulheres e raparigas;
Dezenas de Milhares de mulheres e crianças foram sujeitas a violações e violência sexual desde a crise no Darfur em 2003; Relatório Anual 2007 Amnistia Internacional

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São 8h da manhã. O despertador incomoda-me o ouvido e alerta-me para mais um dia. A terra das oportunidades, pensei eu enquanto tomava duche e massajava as costas. Hoje tenho 5 reuniões e um negócio que poderá render milhões... Visto-me apressado porque aqui tudo corre, ouço o barulho ensurdecedor dos carros que desvairados atravessam as ruas com a intenção de recuperarem os 5minutos que perderam no café.

Chego ao escritório e enfrento as reuniões com estofo. Sorrio de forma escancarada e suspiro em segredo. Finalizo negócios e o tempo acompanha-me. Almoço a dois quarteirões do escritório. Peço Hamburguer c/ batata frita na pressa de regressar novamente ao emprego, sorrio porque sei que os minutos a menos no almoço são seguidos da sobremesa milionária. Vejo os zeros à direita e sem pensar muito rebusco uma assinatura. O expediente acaba e atiro-me às ruas de New York: compras, convido uma amiga para jantar e terminamos num bar divertidos.

Aqui o tempo ultrapassa-nos mas rende-nos a comodidade. Não vemos crescer as rugas mas apreciamos o esforço académico reflectido numa conta bancária recheada. Tenho os minutos cronometrados com o ginásio, a ida ao supermercado, o novo filme que estreou no cinema e os jantares entre amigos. Aqui onde tudo acontece à velocidade da luz tento manter-me a par do que acontece para lá dos limites americanos. Sento-me na minha poltrona e vejo o noticiário: crimes, bolsa, finanças. A emissão interrompe para anunciar crimes internacionais; mães que matam os filhos em terras africanas e suicidam-se de seguida. Estará o mundo louco? Decido ligar à minha mãe e concordamos em passar o Natal juntos. Não entendo como uma progenitora pode matar os seus rebentos? Uma mãe nasce, cresce e morre por eles, mas nunca os mata.

O sol regressa e consigo traz a luz da manhã. Acordo. Leio o jornal. Tomo o café a correr e corro para o escritório. Aumento a minha conta e anoto as despesas. Compro um perfume e dou-o à minha secretária. Ela é uma mulher incrível. Permaneço na indecisão de a convidar para jantar, mas reparo-lhe no decote e disparo a pergunta. Saímos e amamo-nos. Ela deseja-me e eu respondo-lhe com beijos e carícias. Adormecemos a contemplar a lua. Não sei se ela é a mulher da minha vida, mas agora quero assegurar a minha estabilidade financeira. Quero ter filhos e dar-lhes uma vida segura e cómoda. Regresso aos lençóis macios da minha cama amanhã o dia será igual, talvez até a convide novamente para sair...

Segundo o relatório da ONU, 80% da renda mundial está nas mãos de 1 bilião de pessoas que vivem nos países desenvolvidos e apenas 20% destinados a 5 biliões de pessoas nos países em desenvolvimento.

Nos Estados Unidos, os números indicam que as famílias desperdiçam cerca de meio quilo de comida por dia, o que equivalem média a 40% dos alimentos.Na Grã-Bretanha, o desperdício é estimado entre 30% e 40%.“Comida é água.

Escrevo-vos agora na 1º pessoa sem truques de personagens, aqui estou apenas eu, autora deste blog e afecta aos vossos comentários. Escrevi este post porque como em todos os outros procurei reconhecer-me numa dimensão que não a minha. Pensar que a realidade em que vivemos vai para além da vida banal que levamos doí. Doí terrivelmente, uma dor incessante que se desmancha em lágrimas perdidas e incapacitadas. Não por caridade, não por solidariedade mas conscializar-me que estas histórias existem muito para lá da ficção desta janela provoca-me sofrimento. Um sofrimento dorido e profundamente egoísta, porque eu continuo aqui. Permaneço sentada na minha cadeira e apenas escrevo, escrevo mesmo sem saber que não ajudo nem nada faço para contribuir contra um mundo que não dominamos. Irrita-me ver esta realidade marginalizada e completamente indiferente aos olhos da Terra, assisto pela TV porque tenho medo de me atirar a dimensões estranhas, macabras e aterrorizadoras. Irrita-me a minha forma de agir como se nada fosse. Choro por vergonha destas pessoas. Vivemos num Mundo ao contrário? Ou do lado avesso do mundo? Não sei. Eu vivo do lado do mundo que sorri satiricamente, ri-se de nós, pobres tolos que inválidos continuamos agarrados a uma comodidade que não conseguimos largar porque o próprio mundo nos habituou assim. Não sobreviveria num país como o Congo, não pela fome, não pela violência, mas pela miséria de espírito, pelos gritos mudos que não poderiam soar por se sentirem reprimidos ao gatilho mais próximo. Sim eu sei, eu sei que todos somos vitimas desta comodidade que nos engana e fecha os olhos e os ouvidos a estes gritos. Por isso escrevo, e muito mais escreveria se me pedissem, escrevo porque me envergonho de continuar na minha cadeira, mas enquanto puder e sentir que sou mais uma escreverei, escreverei até cansar os dedos.

quarta-feira, junho 4

Amor


- Amo-te. - Disse olhando-o directamente nos olhos, como sempre fazia.

- Como assim amas-me? - Respondeu tresloucado com tal declaração.

- Assim, amo-te. - Encolhi os ombros e voltei a fixar o horizonte. Costumávamos sentarmos-nos no muro a contemplar o horizonte. Ali soberano e longiquo, tentávamos adivinhar o que se escondia por detrás das nuvens disformes. Conversávamos com o silêncio e acabávamos exaustos de tanto falar por sorrisos e suspiros.

A tarde estava quente, e ao fundo de um tapete de azul infinito escondia-se um mundo que já antes de ser catalogado nos pertencia, antes de haverem países, cidades, monumentos e maravilhas, o universo fora nos oferecido. Paris, Espanha, Índia... o mundo passava em película morosa e repetitiva sem nunca cansar os espectadores, e nós maravilhados por saber que antes do nascimento das cidades imperiais e dos monumentos majestosos, já o universo se tinha encarregue de nos incorporar num só crepúsculo. Sentiamo-nos unidos por uma força inexplicável e superior ao compromisso de sangue. Talvez fosse o destino, talvez, talvez, talvez... Não importavam os "mas" eu descobri que o amava e a felicidade desta relação transbordava em sorrisos pateticamente genuínos.


- Olha o que queres dizer com "amo-te"? - Perguntou-me, interrompendo o meu pensamento.

- Sei lá, amo-te e isso chega-me. - Estava impaciente com tanto interrogatório.

- Mas não entendo...

- O que é que não entendes? Eu é que não entendo essa tua obsessão numa confidencia vazia de outras interpretações que não seja o amor.

- Não entendo... Nós somos amigos...e... sempre fomos como irmãos. Lembras-te? Estamos unidos por uma força... inquebrável.

- Sim. Por isso mesmo amo-te. Amo-te. Amo-te. Isto chega-me e a ti, não?- Retorqui isenta de meias medidas e formas de dizer uma única só verdade. Ficou pensativo, mas não foi capaz de me encarar.

- Desculpa. - Disse envergonhado. Finalmente percebeu. Soluçava baixinho mas sorria tal como eu. Agora sim nada nos podia separar. O mundo presenciava e abençoava esta revelação. O horizonte escancarava as portas já abertas por nós, mesmo antes de estarmos juntos. Sim, amávamos-nos. Um amor sem limites tal como o amor deve ser. Um amor puro e infinito, era assim... Não o conseguia descrever... apenas podia afirmar com a certeza inabalável de que nunca nos iríamos separar. Sim. O nosso amor era uma chama que ardia sem se ver, a chama que clamava mais alto quando estávamos em apuros, a chama que borbulhava quando estávamos juntos. Uma chama inocente sem segundas intenções, sem indecisões, sem medos, sem birrinhas. Era tão simples. Conheciamos-nos desde crianças e desde o primeiro momento tornámos-nos amigos.

"- Posso brincar contigo?"

Ainda me lembro da tarde fantástica que tivemos na praia após a tua coragem. A pergunta que deu inicio a um ciclo que concerteza se renovará com as nossas gerações. Era patético tentarmos ler a forma de classificar o amor, o amor não é isto nem aquilo, é um todo. É o que eu quiser ou o que tu quiseres desde que seja puro. Não há amizade, nem amor fraterno, nem amor de homem e mulher que tanto os poetas descrevem. Há amor. Há amor simples e desprovido de rótulos. Somos amigos e para sempre seremos. Digo-o com a veemência de quem sabe o futuro. Não estou a ser sonhadora e muito menos estou presa a uma ilusão prematura. É sempre amor, em qualquer circunstância, é amor independentemente por quem é sentido. Pode haver paixão, desejo, companheirismo, protecção mas é sempre, sempre amor. E descobrir a fórmula pura e sem aditivos do amor fez nascer em mim a verdade da impossível solidão. Nunca estarei sozinha enquanto no mundo houver amor, e enquanto em mim estiveres tu, meu querido amigo. Amo-te.