domingo, setembro 13

Liberdade?

A Liberdade não existe. Não no sentido lato do vocábulo, não na consciência multiplicada da palavra, não naquilo que supomos ser a liberdade. É indecifrável, é tão simplesmente indefinível que não estou capacitada para lhe atribuir um significado claro e concluso. Porem também eu pensara que a liberdade era algo possível, que nada impedia que um espírito livre de todas as recompensas momentâneas pudesse realmente ser livre. Não compreendam a dimensão de tudo aquilo que o vocábulo encerra como algo prático, como algo diário que podemos atribuir puramente à liberdade social ou judicial. Não é isso que abarca a minha ideia de tal assunto. Anteriormente julgava-me crente na possibilidade de ser-se completamente livre, totalmente independente de tudo aquilo que pudesse criar raízes, que pudesse possuir amarras materiais ou espirituais. Confuso? Um pouco. Partilho alienadamente desta teoria e sinto-me perdida nas dimensões infundadas da minha afirmação primária.

Facto pelo qual introduzi primeiramente a negação: A memória.

É isso, a memória, as recordações, as deduções e todos a abrangência do domínio cognitivo que nos sustenta no mundo material e nos eleva ao mundo metafísico. Sem memórias não somos. Ser e recordar são frutos da mesma essência. Como poderia alguém sem recordar as origens, os amigos, o cheiro e tudo aquilo que os olhos possibilitam deliciar? E não é possível voluntariamente dissipar algo da memória, excepto o tempo, somente ele pode enfraquecer as recordações remotas de todo um percurso humano. Temo pelas horas, temo pela carência humana da qual partilho, receio profundamente dissipar de mim as reminiscências. Agora receio.

No entanto, em alturas imaturas pensei ser totalmente dependente de tudo isto. E achei-me capaz de estar em qualquer lugar sustentando-me somente de mim, imaginei-me capaz de ser livre sem estremecer ou recuar. Agora vejo com limpidez que mesmo na dormência da razão eu sempre estive certa da estabilidade e talvez por isso nunca poderei ser livre na concepção que determinei para tal ideia. Necessito de segurança, de crer ficticiamente que nunca estarei nas trevas, de que terei um amparo quando tudo o que imaginei ser tiver esvaído por entre os dedos. É isso que faz com que a liberdade não exista, é isso que não me permite estar só dos outros e acompanhada somente dos meus desejos. O que acontecerá quando a maturação humana tiver deteriorado todos os anseios da juventude? Eu saberei certamente que corro pela precisão dos outros. Que estar só e livre não significa encontrar a felicidade, denota pelo contrário insistir no erro, repisar e sustentar o embuste protector da necessidade. E necessito tanto dos outros quanto de mim, isto porque me recordo das conversas demoradas, dos amores aspirados, do conforto material e da segurança interior que tudo isto representa.

Um comentário:

Diogo Garcia disse...

A tua escrita é das mais elaboradas que já li. E o que pode parecer um texto muito complicado acaba por ser um texto simples, camuflado talvez, mas que dá um prazer imenso ao leitor. E seja tua intensão consciente ou não (como escritora) de escrever apenas mais um texto a verdade é que se torna obrigatório lê-lo até ao fim, e se for o caso de não se compreender à primeira, ter a obrigação de o voltar a ler.
Falando agora do texto em si mesmo:
Gostei da forma como pensaste em tentar definir liberdade, apesar da sua dificuldade. Da forma como aceitaste a tua própria necessidade de talvez não seres livre da forma que pensavas querer ser. Ou talvez não tenha percebido de todo. Mas gostei de lê-lo e gostei de o interiorizar para pensa-lo.