sábado, novembro 29

Vinte dias depois



20 de Novembro de 2008 (data original da produção deste texto)


Passaram-se vinte dias. Não contei as noites. Vi o sol nascer vinte vezes e, no entanto, nunca vi o céu escurecer. Não sei ao certo quanto tempo são vinte dias, não consigo fazer equivalências temporais, não consigo nem quero fazê-los corresponder às horas e minutos gastos. Apenas sei que são vinte dias porque vinte vezes abri os olhos e contemplei o amanhecer. Talvez o sol tenha aparecido umas outras tantas vezes, mas o meu limite são vinte dias. Penso no significado deste número, gosto de o pronunciar e,no entanto, não sei quanto ele contabiliza. Será muito ou pouco tempo? A mim parece-me uma eternidade. Quando nada se tem tudo se torna demasiado verossímil, se o tempo é semelhante às rugas que se formaram timidamente em redor do meu rosto, então vinte dias representam muito tempo. Talvez consiga viver mais vinte dias, uns outros tantos acrescidos a estes, mas esse período é demasiado comprido, se tal acontecesse teria de ser acrescentado ao meu rosto mais algumas rugas. Cresci e vivi neste buraco de céu azul, privado do calendário, o tal que dizem contar mais de vinte dias. Também não sei ao certo se a sequência que contabilizei está correcta. Francamente não me preocupa viver ao contrário do relógio do mundo. No meu há apenas o dia, o sol que marca os números, os mesmos que se somam até o número vinte.
Durante estes dias algumas das minhas plantas morreram, inclusive a palmeira heroína, a mesma que outrora resistiu a ventos e tempestades, e outras floresceram da terra seca, portanto de durante este bloco temporal eu pude observar a vida e o contrastante falecimento, acredito plenamente que vinte dias representam um ciclo, desses que se repetem gradualmente e aumentam a vida terrestre. Intimidamente faço cálculos, fico terrivelmente amedrontado quando penso se durarei mais uns vinte dias então escolho permanecer na ignorância do meu pensamento, é um esforço desleal, e uma luta que inúmeras vezes pensei ter perdido. Mas felizmente há sempre um dia em que o sol se mostra escondido e eu acabo por confundir os números. Ainda bem que me deixo atraiçoar por mim e que apenas conheço os números até vinte.



Diário de um Náufrago



(este texto foi escrito originalmente durante uma aula, e embora aparente não ter nexo, resultou num bom momento de descontracção)

quinta-feira, novembro 27

Estranha Imaginação

... os carros voam à velocidade das gaivotas que descansam no cais. O vento acompanha o ritmo doente dos pescadores que puxam as redes enfraquecidas pelos anos e que mais vezes emergem vazias que cheias. Há apenas uma estranha imaginação... como se tudo o que pensasse fosse retirado de um romance mais fictício do que original, talvez porque vejo no nada o tudo que não se constroí, apenas subsiste na estranha imaginação. Os factos, esses misturam-se entre um ou outro devaneio, no delírio das canções do pensamento e nos intervalos das pingas que escorrem nas janelas cansadas de olhares vazios e curiosos. Os sonhos, esses não existem, se lhes fosse cedido uma oportunidade o desejo da realização precoce daria por certo esta estranha imaginação. Isto é algo incontrolável como se a respiração ficasse presa no diafragma e não se concluísse na expiração, como se tudo se tornasse demasiado obsessivo, uma compulsão desnecessária e tão sentida como os elementos românticos que aperaltam e escondem verdades e intrigas. E num vai e vem de ilusões tudo o que parece ilusório se torna demasiado irreal, exageradamente forçado. Talvez esta estranha imaginação não passe de uma obsessão incontrolável, algo estranho e descabido que parece entrelaçar pensamentos banais e memórias emprestadas. Às vezes é tudo tão escuro, tão enublado que não se consegue percepcionar a movimentação horizontal das nuvens que também sobrevivem nesta estranha imaginação. E neste acto cognitivo quando tudo não parece ser mais que um vago desejo há sempre algo que nos desperta a atenção e nos faz ver o mundo. Porque fora das paredes que limitam o meu corpo e o meu espaço consigo antever o que não conheço, e experimento. Confio na teoria de Kant e acredito que se pode conhecer à priori. É tudo tão estranho, propicio aos sentidos que me deixo adormecer e desviar desta estranha imaginação que se agiganta e me assusta...

quinta-feira, novembro 6

A vida em contraste

Mike Wells, United Kingdom.Karamoja district, Uganda, April 1980. Starving boy and a missionary.

Se houvesse uma explicação válida então a vida não teria nenhum sentido. E se por vezes o texto diz tudo, então eu não tenho mais nada a acrescentar.