segunda-feira, julho 12

8h, 14ºC, Metro

Acomodada sobre o velho banco que balouça sem cessar, olho em redor e nada mais vejo que uma série de pessoas enfileiradas. Sinto-me meio doente da terrível consciência que me incomoda sem receio. Somos inutilmente iguais. Na inércia do olhar torno-me também eu um fantasma que se deixa conduzir pelo rangido da carruagem. Balanço o corpo pela força dos carris e espreito inocentemente o senhor de pele queimada que me enfrenta. Olha-me a roupa, o cabelo desalinhado, os cigarros dentro da mala. Então provoco irritada com aquele confronto. Mexo em tudo, mostro tudo, revolto mais o cabelo, enrolo um cigarro de encontro ao seu olhar. Fica arrasado. Porque crê, tão perdidamente, que os tempos são outros, que a juventude é a droga da sociedade. E eu, eu apenas fico, resignada a este quadro de morte continuada, porque eu sim, creio tão perdidamente que estamos todos mortos. Que a imagem bloqueou o cérebro de todos, que a aparência, que acreditam ser o motor do percurso banal da vida, tornou-se o vício do olho, e já ninguém vê mais nada que isso. É uma cegueira crónica que me chega a iludir pela facilidade que encerra, olha-se e já está. Estima-se, supõe-se, dá-me como certa a essência que nos distingue pelo pano que nos cobre.
Então saio do velório que prossegue sem tempo para chegar ao destino. No Rossio, sento-me no banco soalheiro da praça e reflicto sobre tudo isto. Não é estranho que todos o façam, é difícil imaginar muito para além da visão, é difícil procurar diferenças quando tudo nos expele para a massificação, mas sobretudo é me difícil não pensar nisto. Bem sei, que aqui sentada, nada mais sou, que um corpo para os que passam, e mesmo eles nada representam para mim, porque estou neste estado, num estado de reflexão. Dói-me pensar nisto, esta humanidade perdida, pensar nós connosco. Porque me sinto só, tão só que nem mesmo o fluxo de transeuntes que estagnam junto das portas automáticas do metro me fazem sentir acompanhada. E isto não me seria tão doloroso se não soubesse que é fruto da vontade megalómana de ultrapassar a banalidade dos dias. Não faço nada, não me mexo, sou cúmplice da vergonha que me espelha, então escrevo. Escrevo porque não sei fazer mais nada, porque mais ninguém vê para além da camisa às riscas, escrevo porque preciso de gravar a minha tradução dos pensamentos, e ainda assim sei que as palavras não vão a lugar nenhum. E por vezes nem escrevo, porque as ideias emergem súbitas e refém do comodismo e da própria apatia deixo-me escrever em mim, e mesmo na virgindade que possuem tornam-se velhas, as percepções ficam maduras, enegrecidas, podres, porque na verdade não transpareceram a verdadeira pureza. Mesmo isto, foi pensado ainda sentada no banco do Rossio, e sem coragem para enfrentar o deserto branco da folha corri para a estação. Ainda faltava passar no supermercado, pagar o totoloto, levantar as toalhas na lavandaria… E sem tempo para atormentações sigo a passo veloz. É o eterno protelar de nós, é a insistência para nos tornarmos lacónicos, quando na realidade somos lunáticos, uma loucura tão inconsequente que para mim não passa de folhas não escritas.