segunda-feira, maio 19

Apresentações sem inscrições

Olá. Chamo-me Juan Feácio, sou pintor como opção e por vontade própria. Descobri-me na ponta de um pincel e na distinção da tonalidade das cores. Auto-retratei-me e reconheci o meu rosto. Pinto por prazer e não por motivos ideológicos, retrato a sociedade porque me incluo nela e não porque que me sinto excluído como figura ilustre e integrada num patamar superior. Pinto não pelo receio do que é efémero mas para viver o presente. Tenho fobia a códigos e portanto a minha obra é limpa e clara e não tentem os supostos analistas julgá-la como um recalcamento intrínseco na forma como disponho as pessoas na tela: são apenas pessoas, não precisam de assinalar algo que é fantasiado, são o espelho do que vejo e sinto e não a legenda de pressupostos sociais; pintar um camponês ou um burguês é apenas motivação interior, e portanto não procurem rotular o camponês sacrificado e o burguês tirano. Não há necessidade de entrelaçarem na espontaneidade do que faço um significado; sejamos realistas afinal a pintura é um estado puro e tão profano como qualquer outra arte, então deixem de lhe acrescentar os "mas", deixem-se apenas fundir com a tela, eu pinto porque quero e não porque carrego o peso da posterioridade. Obrigado. ________________________________________________________________

António Ulisses é o meu nome, e muitos mais acrescentaria para me apresentar enquanto escritor. Escrevo desde que me conheço e conheço-me desde que escrevo. Já escrevia antes de iniciar a minha escolarização e hei-de escrever depois da minha decadência. Editei contos, romances, aventuras... e mais hei-de escrever enquanto a minha caneta não secar e a minha cabeça não me atraiçoar. Já ganhei um Nobel mas ainda não escrevi o livro da minha vida, portanto não me venham dizer o que é de boa qualidade. Quarenta anos depois, a máquina de escrever continua a olhar-me de soslaio, parece desconfiada e no entanto tornámos-nos amigos desde o primeiro momento. Perguntam-me se sou casado, e seguro que a minha menina está sobre a mesinha de madeira da varanda. Olham com desdém e riem-se contraídos de uma falsa piada. Saberão o que é o humor? Talvez leiam com seriedade as críticas literárias ao meu trabalho e aí sim pequem por patetice. A piada está ali: escancarada nas colunas de crítica despojadas ao canto do jornal. É hilariante que estes supostos conhecedores da literatura descubram nos meus livros algo que nem sequer eu plantei... fantasmas e mais fantasmas. Mas porque é que tudo tem de ter um porquê? Deixem-se conduzir, a escrita é de tal forma sedutora que não precisa de pretextos para florir, deixem-se de porquês sem fundamento. Leiam, leiam, leiam até conseguirem perceber, e não se distraiam com que finge perceber e vive na dúvida do que diz. Obrigado
_____________________*******_______________________


"Fui bailar e o meu batel...", assim me começo por apresentar, começo pelo início e portanto pela minha essência: a música. Tornei-me cantora na banheira e ainda hoje pratico no chuveiro portanto não em dêem um palco, felizmente eu tenho voz, aproximem-se se me querem ouvir e partilhem comigo esta linguagem. Partilhem esta forma sonora de comunicação, sintam a simplicidade das notas, sintam-nas apenas. Não precisam de conhecer a letra, não são as palavras que contam mas a forma como as dizemos, não as digam, cantem-nas. Não atribuam à minha música géneros e estilos, não atribuam razões e entoações, não porque me incomoda ou me aflige mas porque elas não nasceram de mim, mas de quem as tenta aprisionar num enredo falseado. Continuo a dormitar com as musicas que componho e deixo-me acordar com elas completas, nasceram de um sonho porque e própria as entendo assim. Sou eu, és tu e o outro, somos todos ali escancarados no refrão. Não é ninguém, não há motivos, não há pretextos ali, por favor deixem-se de fantasias apaixonadas sobre antecedentes trágicos e desgostos de amor... estou aqui, aproximem-se, sim aproximem-se mais, somos todos fruto da poesia das pautas dos maestros. Sim esta sou eu: a música, a minha e a nossa música.

sábado, maio 17

Nova casa

O meu primeiro aniversário na minha casa nova. Pensei eu isento de sanidade e com um saco entrelaçado nos dedos. Quando era mais novo ficava tão nervoso com a chegada do meu aniversário que na véspera não dormia, e ainda hoje com 67 anos isto acontece. Parece mentira que um velho, aparentemente sem sonhos e com a vida por um fio, permaneça uma noite a olhar para as estrelas na ansia de poder dizer que esteve entre os vivos mais um ano. Mas eu não tenho sonhos aparentes, eu sonho e idealizo, eu ainda acredito que a vida me reserva algo especial, mesmo que os meus filhos me chamem de tolo e descartável.
Esta casa não tem aquecimento... mas rapidamente habituar-me-ia ao chão frio, em troca adormeceria com as luzes da cidade a embalarem-me o sono e a preencherem-me o olhar. Por vezes permanecia horas intermináveis a contemplar aqueles livrinhos dos turistas com as zonas mais belas da cidade, e é ridicularmente estúpido que lá não coloquem a fotografia dos pirilampos que reflectem no rio, é absurdo que não consigam ver a beleza imensa da luzinhas que abrilhantam as águas doces do rio. Realmente a electricidade era uma coisa fantástica. O Thomas Edison devia ter ficado apaixonado pela sua invenção. Eu fiquei. Felizmente que não tenho tomadas nem interruptores na minha casa nova, assim as luzes permanecem acesas ao longo da noite.

Lembrava-me incessantemente da minha mãe porque não queria recordar que sou pai, lembrava-me dos seus cabelos porque o rosto já se apresentava disfocado, e esquecia-me dos meus filhos porque não conseguia apagar os seus rostos da minha memória. Não tinha revolta, nem dor, no fundo eu fingia que os compreendia para não os ter que desprezar. E mesmo com a desilusão contida nos olhos, as portas da minha casa estavam abertas. Mas eu sabia que eles nunca viriam, e por isso mesmo nunca as fechava. Provavelmente nem recoradar-se-iam do dia de hoje, o dia do meu aniversário. Ofereci-me a mim mesmo uma nova cama, não muito quente mas resistente ao meu corpo, e a D.Rosa, uma vizinha deu- me os lençois. A minha primeira vizinha e de certo uma amiga. Jantámos juntos, uma refeição leve, a idade não perdoa e a minha dispensa ainda está em défice mas assim que puder já lhe prometi um desses jantares que ninguém sabe o que é, apenas lhe dão um nome. Ela mostrou-se ofendida, é uma mulher talhada na terra, gosta do que é bom e do que enche a barriga, portanto concordámos que seria um cozido à portuguesa, um prato da nossa terra, com o sabor tradicional e com cheiro de enfartar.

Uma personagem contraditória a D.Rosa; disse-me que mudara de casa há muitos anos e que já se habitou a viver sem móveis, enpertigava-se para se mostrar uma adepta ferranha do comunismo, injuriava o capitalismo porque sabia que não fazia parte dele, mas no fim das suas exclamações exaltadas, acalmava-se e adormecia com a sua menina na mão, como lhe chamava. Entregara-se ao vinho porque a cerveja era cara e fazia barriga, mas quando podia não se negava a uma branquinha. Fiquei sentado a olhar de sombreira para ela: invejava-lhe a energia, mas compadecia-me com a tristeza desenhada na suas rugas, uma boa senhora a D.Rosa.

Olhei de novo o rio, e já tomado pela inércia, estendi-me sobre a minha nova cama. Pensei incomodado nos meus filhos, provavelmente estariam a divertir-se numa festa da empresa onde constatemente subiam de posto à custa da bajulação do chefe, um acto asqueroso que me empurrou para fora dos limites das suas vidas. Ser o vice-presidente ou outro cargo com acentuação própria não pedia um pai aleijado e pobre, pressupunha apenas um bom fato com a ganância na lapela... Agora também já nada tinha importância. Deitei-me ao lado da D.Rosa que coitada se esqueceu-se de fechar a sua menina de cor avinhada. Ficámos os dois sujeitos à hipotermia mas ricos de luz, com a corrente eléctrica sobre as nossas cabeças que não nos deixava temer o escuro. Fechei os olhos e pensei na minha nova casa: sem móveis e apenas com uma cama de papelão mas agora com uns lençois de jornal, a minha única prenda de anos com direito a uma amiga que tinha a certeza que seria para toda a vida. Era bom morar na minha nova casa, pensei eu isento de sanidade.

sábado, maio 10

Desafio aceite

Em resposta ao desafio da Marisa, aqui apresento seis coisas sem importância pessoal:



1. A procura insitente pelas formas naturais e autênticas das coisas, essencialmente artísticas. Não precisamos de rotular as coisas mas sim senti-las,um quadro não precisa de ter um código escondido ou uma pretensãp adormecida, vale pelo que é mesmo que não tenha um antecedente.

2. Pensar que as coisas minuciosas da vida não têm importância, a felicidade resulta da resoluçao dos nossos pequenos desejos e medos e não na descoberta das crises existenciais que assombram o mundo.

3. Definir regras pessoais: criar restrições a novas situações resulta em desvios, daí que as regras não façam sentido, embora todos tenhamos príncipios.

4. Tentar integrar-me num grupo pelos gostos deles e não pelos meus. Odeio modas e sou adepta da autenticidade por mais absurda que pareça.


5. Esquecer-me que a sociedade impõe representações, e portanto mesmo a criativiadade está limitada, portanto não me prendo a cacular o tempo para as coisas pois na maioria das vezes as contas falham.

6. Não entender as coisas como algo sem importância, um dia tudo faz sentido noutro já não. O importante é sermos fieis a nós próprios. Provavelmente daqui a uns anos vai ser muito importante para mim ser organizada, mas por enquanto vivo numa confusão espacial aprisionada no meu quarto.

Assim termino esta selecção e proponho aos seguintes que façam o mesmo:

Caderno
O meu sotão de ideias
Corpo e Grafite

sábado, maio 3

Fruto de Ti


Se te pudesse dizer as noites que sozinha preencho
Certamente não me voltarias a deixar sozinha
Certamente não ficarias incomodada pelo meu olhar
E sem qualquer desculpa ou pretexto
Deitar-te-ias a meu lado e ver-me-ias chorar.

Se te pudesse contar a forma como hoje te vejo
Certamente ficarias confusa e indecisa
Com as descrições de certo tolas que guardo de ti
Mas descansa porque o tempo é inimigo
E mesmo a teu lado as nossas conversas ficticias permanecem em mim.

Se te pudesse dizer que fazes me falta porque vives comigo
Se te pudesse contar as noites em que fiquei à espera da tua sombra
sobre mim deitada e inocentemente desprotegida
Tenho a certeza que virias anónima e devagarinho
Adormecer-me e comtemplar o fruto da tua vida.